Um caso de polícia vem surpreendendo as autoridades nos últimos dias pelo alto nível de crueldade, mas também de meticulosidade e planejamento do criminoso. No centro da história está um homem de classe média alta que matou e emparedou a própria mãe em 2015, foi preso e condenado a 28 anos de prisão, mas conseguiu fugir e cometeu mais um crime horrendo em 2024: matou e esquartejou a namorada e espalhou as partes do corpo pela cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul — no que a polícia considera ter sido um “crime cometidos em atos”.
Ricardo Jardim, 66, já está preso novamente e foi ouvido pela polícia na última quinta-feira, 11, mas muitas pontas ainda estão soltas para os investigadores, como, por exemplo, o fato de a cabeça da namorada dele ainda não ter sido encontrada — não se sabe ainda se ele já teria dado um destino a ela ou se ainda estava planejando fazê-lo.
Em entrevista para VEJA, o delegado Mário Souza, responsável pela investigação do caso, explicou ponto a ponto da história e afirmou que Jardim é, para a Polícia Civil, um assassino em série que só não cometeu outros crimes porque não teve tempo hábil para isso. O delegado também classificou o assassinato e esquartejamento da namorada como um crime feito em formato de peça publicitária, em atos, para chamar a atenção da imprensa e tentar controlar a atuação das autoridades.
O perfil dele é narrado pela polícia como de uma pessoa articulada, ardilosa, comunicativa e com recursos financeiros suficientes para enganar suas vítimas.
O caso começou a chamar a atenção quando a polícia encontrou, em 13 de agosto, partes de um corpo, de braços e pernas recortados, em sacolas de lixo pretas numa rua deserta e sem câmeras da zona leste de Porto Alegre. O material foi enviado para perícia, mas não foi possível identificar a vítima porque os dedos não estavam entre as partes, não sendo possível verificar a biometria.
No primeiro momento, os investigadores acreditaram que poderia se tratar de um crime cometido entre facções criminosas, no entanto, essa teoria perdeu força quando, em 1º de setembro, o tórax bastante mutilado e já em estado de decomposição de uma mulher foi encontrado dentro de uma mala que havia sido deixada no guarda-volumes da rodoviária da capital gaúcha.
Entre os dias 2 e 3 de setembro, a perícia conseguiu confirmar que se tratavam de partes de um mesmo corpo. “Percebemos que era uma mulher e que aquele crime estava sendo divulgado pelo criminoso em dois atos”, avaliou o delegado.
Com a análise das câmeras de seguranças da rodoviária, a polícia descobriu que o criminoso havia deixado a mala no local na noite do dia 20 de agosto. Ele só encontrado em 1º de setembro pelo fato de ter sido acondicionado estrategicamente, para demorar a ficar com cheiro de decomposição.
Nos registros das câmeras, foi visto, então, um homem de meia-idade, cabelos brancos, óculos escuros, boné, máscara cirúrgica e luvas deixando a mala na rodoviária. “É um dos locais mais movimentados do estado. Isso chamou a nossa atenção, porque ele buscou uma certa exposição. Ele lançou partes do corpo, num primeiro momento, em um local ermo e, sete dias depois, fez um segundo lançamento desse corpo em um local movimentado”, disse o delegado.
Além do tórax, a mala também continha documentos contábeis e havia sido deixada no guarda-volumes, endereçada a outra pessoa, com seu nome completo e CPF — no que a polícia acredita que tenha sido para tentar incriminar uma terceira pessoa. O destinatário foi ouvido pelas autoridades, que descartaram a possibilidade de sua participação no crime.
Com as imagens das câmeras, a polícia conseguiu ver um momento em que o criminoso entrou em um estabelecimento comercial, a quatro quilômetros de distância da rodoviária, retirou a máscara e conversou tranquilamente com vendedores. Com o retrato do rosto, os agentes fizeram buscas e encontraram uma pessoa que identificou Ricardo Jardim, indicando também que ele morava em uma pousada da cidade.

A comprovação de que ele era mesmo o criminoso que a polícia estava procurando veio quando um DNA encontrado na pousada onde ele morava coincidiu com amostras genéticas encontradas na primeira cena de crime. A partir disso, poucas horas depois, em 4 de setembro, a polícia conseguiu encontrar o criminoso e prendê-lo.
“Ele parecia querer ter, de alguma forma, um certo controle, ou acompanhar a investigação. Parecia que ele estava querendo ter alguma interação. Um traço de criminoso em série. Parecia que ele tinha uma vaidade. Então, divulgamos a foto dele para a imprensa, acreditando que, com isso, ele poderia fazer algum novo movimento. Ele se movimentou, como esperávamos, e pegamos no final do mesmo dia”, relatou o delegado.
“Quando o identificamos, também percebemos que ele era um homem com origem em uma família de classe elevada da capital e que havia, em 2015, assassinado e concretado a própria mãe”, lembrou o delegado Mário Souza. “Ele emparedou a mãe dentro de um armário e botou xícaras de café nesse armário, que era usado como enfeite na casa em 2015”, contou.
Após a prisão, no sábado, 6, a polícia encontrou mais partes do corpo da vítima, desta vez partes das pernas e dos pés, jogados no Lago Guaíba entre os dias 2 e 3 de setembro. Ela foi identificada como sendo a manicure Brasília Costa, 64, conhecida como Bia, uma mulher com quem Ricardo Jardim estaria se relacionando afetivamente desde que fugiu da prisão no início de 2024. Eles teriam namorado por seis meses, até 9 de agosto, quando ele a matou. A motivação do crime ainda não está clara para as autoridades.
“Ainda não encontramos o crânio. Ele guardou o crânio por quase 30 dias com ele. Isso demonstra que ele estaria preparando outros atos. É possível também que ele tenha guardado como uma espécie de troféu, ainda não se sabe”, concluiu o delegado Mário Souza.
As investigações da polícia entenderam que Ricardo Jardim agiu sozinho e que, provavelmente, ele não deve ter matado outras pessoas além da namorada. As investigações continuam em andamento, e uma coletiva de imprensa deverá ser realizada pelos investigadores na próxima semana para compilar as últimas descobertas.