Se formos discutir o que pesa mais, as circunstâncias históricas ou o poder das personalidades, teremos assunto para falar até o fim dos tempos. A Segunda Guerra Mundial teria acontecido de qualquer maneira, por causa das reparações impossíveis exigidas à Alemanha? Os versalhistas — referência ao acordo que encerrou a Primeira Guerra — defenderão essa tese com ardor. Seus oponentes acham que só uma personalidade alucinadamente patológica como a de Adolf Hitler poderia provocar o que provocou. E ainda dão como adendo o poder definidor da figura de Winston Churchill na resistência heroica da Inglaterra e também, do outro lado do espectro do bem e do mal, a influência de Josef Stalin para erguer a muralha contra a qual se arrebentou a Alemanha nazista, incluindo na conta o perverso desprezo pela perda em massa de vidas de seu próprio povo (ou, no caso, do povo que governava, visto que, como georgiano, o tirano não tinha muito apreço pelos russos).
A relevância das personalidades está pesando agora gravemente no pior conflito da história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Donald Trump tem um envolvimento pessoal, pois vê em Jair Bolsonaro o perseguido político que ele foi, com consequências diferentes. Também usa termos como “aborrecido” para descrever sua atitude em relação ao governo brasileiro, algo raramente visto na diplomacia. As pistas que Lula vai semeando falam também de reações viscerais, sem nada a ver com o distanciamento que um líder interessado em resolver problemas deveria ter. Ele já disse que não vai se “humilhar” nem ficar “chorando e rastejando” perante os Estados Unidos, termos que evocam mais um homem atormentado por um sentimento de inferioridade do que o líder sumamente esperto que é, capaz de entrar numa reunião com um adversário político intragável e sair dela aos abraços e elogios com o indigitado.
“Todos os políticos têm um pouco de transtorno de personalidade histriônica”
Todos os políticos têm um pouco de transtorno de personalidade histriônica, a compulsão pela sedução. Em geral, adoram fazer isso — inclusive, ou principalmente, com opositores. Na semana passada, Trump jantou com alguns de seus maiores detratores no universo que ele mais quer seduzir, o dos gigantes das big techs. Mark Zuckerberg, que deu 400 milhões de dólares para impulsionar a campanha de Obama, desmanchou-se em sorrisos e confirmou investir 600 bilhões de dólares na infraestrutura exigida pelos avanços da inteligência artificial. Bill Gates, que critica até os intervalos de respiração de Trump, também estava uma seda. Por quê? Os interesses são mútuos: só as big techs podem manter a hegemonia americana na fronteira tecnológica, com a China bufando nos calcanhares, e só Trump pode prover o que elas precisam, acima de tudo energia elétrica (só para dar uma ideia das dimensões da maquinaria envolvida: o maior complexo de dados do mundo, da China Telecom, na Mongólia Interior, tem 1 milhão de metros quadrados). Por que Trump pode trocar farpas e elogios com o indiano Modi, e este procurá-lo pessoalmente, sem nem o mais remoto resquício de humilhação, mas Lula acha que precisaria rastejar se falasse com o presidente americano? Há, sim, sentimentos pessoais, mas cada vez outro fator vai ficando mais evidente: ele vê vantagens políticas em ter um antagonista como Trump. Dane-se o resto.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961