No início desta semana uma carta de teor humanitário, mas de visão totalmente cega em seu intuito, reuniu lideranças empresariais brasileiras pedindo para que na segunda-feira, 15, a Academia Brasileira de Cinema indique o filme Manas como representante do país no Oscar. Segundo a carta, a indicação dará visibilidade ao tema do filme, que é o combate ao abuso de menores. Para isso acontecer, a Academia teria então que ignorar os cinco outros concorrentes que disputam a vaga, sendo o mais relevante entre eles O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho.
As redes sociais da Academia foram inundadas de protestos contra esse movimento que beneficiaria o longa dirigido por Marianna Brennand, cineasta brasiliense estreante em longas de ficção e influente no meio empresarial. Em outra movimentação estratégica, a produção angariou o “apoio” do ator Sean Penn, como se esse endosso fosse o peso necessário para a indicação do filme ao Oscar.

Por que será um erro se o Brasil não escolher O Agente Secreto?
A resposta essencial para essa pergunta é entender como o Oscar funciona. A trajetória penosa de Ainda Estou Aqui deveria ter sido um exemplo lapidar disso. A Academia de Hollywood raramente se abre para produções de fora dos Estados Unidos – e quem consegue furar essa bolha precisa primeiro ter chamado a atenção dela em festivais europeus e conquistado uma excelente distribuidora no país americano. Essa distribuidora é que vai defender com unhas e dentes (e alguns milhões de dólares) o lobby e a divulgação que leva a possíveis indicações ao filme. Esses dois quesitos já foram cumpridos com louvor por O Agente Secreto.
No Festival de Cannes, o filme levou quatro prêmios, o da crítica especializada, de melhor direção para Kleber e ator para Wagner Moura, e o AFCAE, prêmio especial da França, uma vitrine e tanto para a produção. Em seguida, O Agente Secreto foi adquirido pela Neon, distribuidora em alta no mundo, que conseguiu no ano passado levar o filme Anora ao prêmio máximo do Oscar.

Outro argumento de Manas que deve ser rebatido é a ideia de que O Agente Secreto já tem força para conquistar indicações por si só no Oscar. Isso não é um fato. Se perder a indicação do país, o filme automaticamente perde força na premiação – e pode também perder força dentro da própria Neon, que tem nesse ano outros filmes fortes que disputam a indicação ao Oscar de filme estrangeiro, caso do norueguês Sentimental Value e Foi Apenas um Acidente, de Jafar Panahi.
Aliás, este é um ano tão expressivo para o cinema, que nem O Agente Secreto tem sua vaga garantida entre os possíveis indicados ao Oscar de filme estrangeiro. Manas, então, não só afundaria no esquecimento, como vai deixar muitos brasileiros irritados quando o filme não for indicado. Um exemplo que a produção de Manas parece ver como positivo, mas é negativo, é o caso de Anatomia de uma Queda, filme francês – eleito, aliás, um dos melhores filmes da história recentemente pelo NYT –, que não foi indicado pela França para representar o país e acabou, sim, sendo indicado em outras categorias, mas perdeu a chance de ganhar a estatueta que premia o país representado. Em contrapartida, o filme nomeado pelo país não só não foi indicado como se tornou alvo de haters – aliás, alguém aí lembra o nome desse filme ou chegou a vê-lo? Pois é. Que a Academia Brasileira não perca a chance de, em dois anos consecutivos, ter o Brasil brilhando no Oscar.