Desde seu início, a ciência econômica buscou apoio em outras áreas do conhecimento para compreender melhor o mundo. Talvez seja esse o segredo de seu sucesso em relação a outras ciências sociais e humanas, muitas vezes mais herméticas e “xenofóbicas” diante de influências externas. Primeiro, a Física, de onde vieram conceitos como o de “equilíbrio” que marcaram profundamente a construção de modelos econômicos. Depois, a Biologia, com a teoria da evolução, que inspirou explicações sobre o desenvolvimento dos sistemas econômicos. Ainda, seria impensável falar em ciência econômica hoje sem reconhecer a centralidade da Estatística/Econometria, base para as metodologias de dados que dominam o campo. Mais recentemente, a Psicologia contribuiu com a compreensão do comportamento humano, ajudando a prever decisões que a Economia sempre almejou explicar. E, no caso dos economistas institucionalistas, outros campos — geografia, antropologia, linguística — têm sido fundamentais para analisar como a “cultura” influencia a criação de regras formais e informais, tema que abordei em minha última coluna.
Da Matemática, além da linguagem emprestada — afinal, o “economês” nada mais é do que uma versão adaptada do “matematiquês” —, herdamos um dos instrumentos mais poderosos: a Teoria dos Jogos. Desenvolvida sobretudo pelos matemáticos John von Neumann e John Nash, este último agraciado com o Prêmio Nobel de Economia, a teoria representou uma verdadeira revolução intelectual no século XX. Inicialmente aplicada ao entendimento das tensões geopolíticas do mundo marcado pelas grandes guerras, ela rapidamente se consolidou como uma das ferramentas mais influentes para modelar interações humanas.
Uma boa definição da Teoria dos Jogos foi trazida por Ejan Mackaay e Stephan Rousseau, no excelente manual de Análise Econômica do Direito: trata-se de uma teoria que, de “jogo”, nada tem. É, na verdade, um modelo que descreve as relações humanas em situações estratégicas. Ou seja, as decisões das pessoas não podem mais ser vistas apenas como sendo unicamente fruto de seus interesses analisados de maneira isoladas; as pessoas tomam decisões sabendo que estão em interação com outros agentes que, por usa vez, tomam decisões que também influenciam o resultado final.
Um dos exemplos mais conhecidos é o “dilema dos prisioneiros”: em certos jogos estratégicos, se cada jogador busca apenas maximizar seus próprios ganhos imediatos, o resultado pode ser paradoxalmente pior para todos. Essa ideia foi popularizada no filme Uma Mente Brilhante, uma visão romantizada sobre a vida de John Nash. Há uma cena em que Nash, personagem vivido por Russell Crowe, explica para seus colegas, em uma mesa de bar, como todos perdem ao perseguirem individualmente a mesma estratégia de conquista da linda moça presente.
Não por acaso, a Teoria dos Jogos foi rapidamente absorvida não apenas pela Economia, mas também por diversas outras ciências sociais. No Direito, encontrou um terreno fértil e consolidou-se sobretudo pela mediação da Análise Econômica do Direito. A seguir, alguns exemplos de como diferentes áreas jurídicas se beneficiam dessa poderosa ferramenta:
No Direito Internacional, a Teoria dos Jogos descreve com precisão os dilemas estratégicos entre países, seja em contextos bélicos, seja em disputas comerciais. Cada nação calcula suas ações não apenas em função de seus objetivos imediatos, mas também em antecipação às possíveis reações de seus parceiros ou rivais, em situações típicas de “jogos de soma zero” ou “jogos repetidos”.
No Direito Contratual, as relações entre contratantes podem ser modeladas como jogos de coordenação ou cooperação. A decisão de cumprir ou não um contrato, e as cláusulas de enforcement, refletem os incentivos estratégicos de cada parte diante das expectativas sobre a conduta da outra.
No Direito Processual, a escolha entre litigar até o fim ou negociar uma solução consensual é um exemplo clássico de dilema estratégico. A teoria mostra quando a cooperação (acordo) é preferível e quando os incentivos levam as partes a apostar no conflito judicial. Diversos autores no Brasil têm aplicado a teoria dos jogos para entender os altíssimos volumes de litigância que temos no país.
No Direito da Responsabilidade Civil, a decisão de investir ou não em precauções para evitar acidentes é um jogo entre potenciais causadores de dano e potenciais vítimas. A modelagem ajuda a prever quando os agentes optarão por internalizar custos ou quando arriscarão transferi-los para terceiros.
No Direito de Família, as relações estratégicas aparecem tanto em contextos de divórcio e guarda de filhos quanto na vida cotidiana conjugal. Um dos modelos mais conhecidos da literatura é justamente o chamado “Guerra dos Sexos”, que descreve situações de coordenação em que ambos os parceiros querem estar juntos, mas divergem sobre a atividade preferida, sendo necessário encontrar equilíbrios que maximizem o bem-estar conjunto.
No Direito Societário, as decisões entre sócios de uma empresa — como investir, reinvestir lucros ou se retirar — são moldadas pelos movimentos estratégicos de cada um em relação aos demais. A Teoria dos Jogos ajuda a prever os equilíbrios possíveis e os riscos de comportamentos oportunistas.
No Direito Empresarial, a teoria ilumina estratégias de fusões e aquisições, bem como relações de concorrência e cooperação entre empresas rivais ou parceiras. Cada decisão corporativa precisa antecipar as prováveis respostas dos demais agentes do mercado, como em um jogo de múltiplos turnos e alta complexidade.
Em síntese, a Teoria dos Jogos nos oferece um instrumental poderoso para descrever e modelar interações estratégicas do mundo real — sejam elas entre indivíduos, organizações ou países. Ao revelar como escolhas racionais podem produzir resultados coletivos ineficientes, ela nos lembra que compreender a lógica das interações humanas é fundamental para o desenho de melhores instituições econômicas e jurídicas.
*Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Law and Economics Foundation na Universidade de St Gällen (Suíça) e no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Curso de Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.