Para muitas famílias americanas, o café da manhã tornou-se o símbolo mais visível de como política e clima no exterior podem se entrelaçar com o consumo doméstico.
Em agosto, o preço médio do café moído no varejo americano atingiu um recorde histórico de US$ 8,87 por libra (cerca de R$ 105 o quilo). Isso representa uma alta de 21% em relação ao ano anterior, o maior salto desde 1997, segundo o Bureau of Labor Statistics.
Os preços globais do café já vinham subindo desde 2023, depois de safras ruins e eventos climáticos extremos na América do Sul e no Sudeste Asiático. Mas os consumidores americanos sofrem de forma desproporcional devido às barreiras impostas por Trump.
No centro da disparada está um velho conhecido: a política comercial. Em julho, o presidente Donald Trump impôs uma tarifa de 50% sobre as importações de café do Brasil, justificando a medida como necessária para proteger agricultores americanos de “concorrência desleal”. O problema é que os Estados Unidos praticamente não produzem café – a contribuição do Havaí e de Porto Rico é ínfima – e dependem quase totalmente do exterior para satisfazer sua demanda. O Brasil, maior exportador mundial de grãos arábica, respondia por quase um terço do abastecimento americano. Desde a tarifa, as remessas despencaram. Dados da Vizion, empresa de análise de transporte marítimo, mostram que as exportações brasileiras para os EUA caíram 75% em agosto na comparação com o mesmo mês de 2024.
As restrições de oferta não se explicam apenas pela política. A última safra brasileira sofreu com chuvas irregulares e custos mais altos de insumos. Outros grandes fornecedores, como o e a Colômbia, tradicional, não conseguiram compensar a lacuna. Torrefadoras americanas, que normalmente se protegem da volatilidade por meio de contratos futuros, veem-se agora espremidas entre preços internacionais em alta e a política protecionista de Washington.
Supermercados, que em geral conseguem suavizar oscilações, passaram a repassar aumentos diretamente aos consumidores. Redes do setor pressionam a Casa Branca para excluir o café da lista de produtos tarifados, alegando que não há produção viável no território americano.
Com a inflação ainda sensível no debate público, a xícara de café tornou-se um lembrete diário de como guerras comerciais podem chegar à mesa da cozinha.
Por ora, aos bebedores de café nos EUA resta pagar mais caro. A menos que as tarifas sejam suspensas ou que as safras voltem a se normalizar no Brasil e em outros países-chave, o ritual matinal da cafeína continuará custando caro, prova de que a geopolítica, assim como o café, não deve ser subestimada.