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Volta ao futuro

Quando tudo parecia treva, Jair Bolsonaro viu o juiz Luiz Fux acender uma luz no Supremo Tribunal Federal. Atado à algema eletrônica delatora de cada um dos seus passos na prisão domiciliar, em Brasília, encontrou algum motivo para renovar sua fé no amanhã, por mais incerto e indefinido que seja esse dia.

Juízes de tribunais superiores são políticos vestidos de toga. É provável que Fux tenha empurrado o Supremo de volta a um futuro labiríntico no qual a insegurança política e jurídica tende a continuar predominante, como ficou demonstrado na história da anulação do caso Lava-Jato.

Por volta de 2020, decidiu-se em Brasília que havia irregularidade processual na condenação de Lula e aliados por corrupção em contratos da Petrobras. Admitida a ilegalidade na jurisdição de Curitiba, abriu-se o caminho para a anulação de tudo, como reivindicavam advogados, entre eles Cristiano Zanin — ontem defensor de Lula, hoje juiz e presidente da turma do STF que julga Bolsonaro.

Fux matou no peito a tese da “incompetência absoluta”, numa analogia quase literal com o caso Lula. Esse suposto erro de jurisdição do Supremo configura ilegalidade, nas suas palavras, “impassível de ser desprezada como vício intrínseco ao processo” de Bolsonaro. Ou seja, nesse caso, como no anterior, o tribunal seria ilegítimo.

Nada muda, por enquanto, para o prisioneiro do condomínio Solar de Brasília, a 15 quilômetros do tribunal. Mas ele ganhou um alento de Fux, importante numa etapa na qual só restava esperança na loteria política.

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Esperava, por exemplo, uma revisão da condição de pária eleitoral, sem poder ser votado até 2030, com a chegada ao Tribunal Superior Eleitoral dos juízes André Mendonça e Kassio Nunes, que nomeou para o STF. Eles assumem na temporada eleitoral de 2026.

Apostava, também, na eleição de um candidato presidencial alinhado, comprometido a indultá-lo ou, ao menos, empenhado em confrontar a corrente hoje majoritária no plenário do STF, a partir da indicação de sucessores dos juízes Luiz Fux em 2028; Cármen Lúcia em 2029; e Gilmar Mendes em 2030.

“Fux deu alento a Bolsonaro, que sempre foi premiado com a leniência”

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A expectativa de perdão é a história de vida de Bolsonaro. Foi assim no Exército, onde conseguiu ser perdoado numa série de episódios controversos — incluído o planejamento de atentados terroristas. Continuou assim no Congresso, onde esteve por 28 anos antes de chegar à Presidência da República.

Estava no primeiro mandato de deputado federal, em junho de 1993, quando viajou a Santa Maria (RS) para participar de um evento militar. Ao chegar, encontrou o repórter José Mauro Batista, a quem apresentou seu receituário para resolver os problemas brasileiros: “Um curto período de exceção, que incluiria, entre outras medidas, o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das prerrogativas do Legislativo por seis meses”. Essa medida, disse, colocaria o país “em ordem”, na hipótese de a crise se agravar. O Legislativo estava “falido”, o que favorecia um golpe de Estado. “Só se dá golpe com a falência do Legislativo”, arrematou.

Quando voltou a Brasília, viu-se diante de ameaças de cassação. Pediu ajuda, sugeriram retratação. Bolsonaro foi à tribuna da Câmara. E, então, conseguiu piorar a própria situação, dizendo coisas assim: “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem, conforme previsto no artigo 142 (…) Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo…”.

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Com a perplexidade dominando o plenário, o deputado baiano José Lourenço, líder conservador, se aproximou e passou a interrompê-­lo. “Acabe logo, deputado!” — repetiu Lourenço, intimidador. Bolsonaro retrucou: “Estou pronto para resolver o problema aqui, por qualquer meio”. Lourenço passou a mão no paletó, na altura da cintura, e insinuou, desafiante: “Sei que vossa excelência é um homem valente…”.

O deputado Wilson Campos, que presidia a sessão, interveio. Bolsonaro encerrou o discurso com um pedido de desculpas. Saiu do plenário, como outras vezes, premiado com a leniência institucional e sempre sob uma suave condescendência da esquerda. Está aí, de novo, à espreita da tolerância com aquilo que o país agora parece achar intolerável na política — o golpismo.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961

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