Com a notícia da demissão de mil funcionários do Itaú e a alegação de que o monitoramento das atividades em home office não foi transparente levantaram dúvidas sobre a legalidade e os limites da fiscalização remota. Segundo informou o Radar Econômico, o banco coletou e analisou informações dos funcionários durante seis meses. A produtividade, segundo a apuração, é medida pela memória do computador em uso, quantidade de cliques, abertura de abas, inclusão de tarefas no sistema e criação de chamados.
Oficialmente o banco não comenta e apenas afirma que: “os desligamentos decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada. Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco. Essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade.”
Mas a avaliação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região é a de que faltou transparência sobre o que estava sendo monitorado. A direção do sindicato também entende que esse tipo de prática de monitoramento pode gerar pressão excessiva e afetar a saúde mental.
Para responder às principais dúvidas, VEJA consultou três advogados especialistas em Direito do Trabalho: Ricardo Calcini, sócio do Calcini Advogados e professor do Insper; Marília Veiga Ravazzi, sócia da área trabalhista do Cescon Barrieu; e Antonio Vasconcellos Junior, sócio-fundador do AVJ Advogados.
A empresa pode fiscalizar o funcionário em casa?
A resposta dos três advogados é unânime: sim. A fiscalização em home office não só é permitida, como, em alguns casos, é obrigação legal da empresa.
Calcini explica que “o trabalho em home-office não deixa de ser uma extensão do local da empresa, tanto que, regra geral, a jornada de trabalho deve ser controlada pelo empregador”. Esse controle, segundo ele, é necessário para evitar o pagamento de horas extras não registradas.
Ravazzi reforça que o controle de jornada é exigido por lei e acrescenta que a medição de produtividade também é parte do poder diretivo: o empregador pode adotar ferramentas para avaliar a performance da equipe. Vasconcellos Junior cita o artigo 2º da CLT, que “estabelece que cabe ao empregador dirigir a prestação de serviços”, o que inclui fiscalizar as atividades.
Quais são os limites da fiscalização?
Apesar da permissão legal, todos ressaltam que o poder de fiscalização não é absoluto. Ele deve respeitar a privacidade do funcionário.
Para Vasconcellos Junior, a Constituição Federal garante a “inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do sigilo da correspondência”. Ravazzi concorda, observando que a fiscalização “não pode atingir a intimidade e a vida privada dos empregados, tampouco restringir direitos básicos e fisiológicos, como pausas para hidratação e ir ao banheiro”.
A medição de cliques sem aviso está dentro da lei?
O ponto mais sensível do caso Itaú é justamente a suposta ausência de aviso prévio aos empregados. Os três especialistas apontam para necessidade de transparência.
Calcini lembra que, embora a CLT permita o uso de “instrumentos telemáticos e informatizados de supervisão”, o trabalhador “tem direito de saber de que maneira o seu trabalho está sendo controlado”. Ele enfatiza os princípios da informação, da transparência e da boa-fé na relação de trabalho.
Ravazzi afirma que a comunicação é indispensável. “Não seria viável exigir o atingimento de metas das quais os empregados não tenham conhecimento, tampouco seria razoável puni-los por não observarem métricas que não lhes tenham sido previamente comunicadas”.
Para Vasconcellos Junior ainda que haja interpretação de legitimidade no controle sem aviso, a boa prática recomenda clareza. “Recomendamos que haja transparência sobre as formas de fiscalização, mediante termo específico ou através do regulamento interno.”
Cabe processo judicial?
Segundo os três especialistas, sim. Há espaço tanto para ações individuais quanto coletivas.
Ravazzi destaca que “existe o risco de não apenas empregados ajuizarem reclamações trabalhistas individualmente, pleiteando reparação por eventual dano moral, como também de o sindicato questionar judicialmente a legalidade da dispensa coletiva”. Ela lembra que, em demissões em massa, a intervenção prévia do sindicato é obrigatória.
Vasconcellos Junior também prevê que o sindicato pode ingressar com ação coletiva para tentar reverter as demissões ou pleitear indenizações.
Calcini reforça que a residência do trabalhador é constitucionalmente inviolável e só pode ser fiscalizada com consentimento expresso. Por isso, recomenda que empresas adotem “diretrizes claras, a exemplo de regramentos internos”, para orientar sobre os instrumentos de monitoramento utilizados.