O quarto dia de julgamento do núcleo 1 do caso da tentativa do golpe de estado no Supremo Tribunal Federal (STF) se encerrou com um longo voto divergente do ministro Luiz Fux, que acolheu grande parte dos argumentos da defesa e foi no sentido oposto ao do relator do caso, Alexandre de Moraes. Após discursar por mais de treze horas, Fux votou para condenar Mauro Cid e Walter Braga Netto e inocentar os outros seis réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, de todos os crimes.
A votação continua a partir das 14h desta quinta, 11, com o voto da ministra Cármen Lúcia, seguida pelo presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin. Flávio Dino já havia votado para acompanhar o relator, e o placar está em dois a zero pelas condenações dos oito réus — a decisão deve sair ainda hoje e as sentenças serão divulgadas na sexta, 12.
Além da inocência de Jair Bolsonaro, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como líder da trama golpista, e de vários outros réus, Fux acolheu diversas preliminares de mérito levantadas pela defesa e votou para que o caso fosse anulado.
Veja a seguir os principais pontos ds divergência de Fux até o momento:
- Inocência de Jair Bolsonaro
O voto de Fux absolveu o ex-presidente de todas as cinco acusações que a PGR imputou a ele: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio público tombado.
“Não há provas de que liderou o 8 de janeiro”, argumentou Fux, para quem também não há evidências que Bolsonaro teve acesso aos planos que foram feitos para assasinar Moraes e Lula. De acordo com o ministro divergente, tudo o que foi imputado ao ex-presidente ficou no campo da “cogitação” e a acusação não tem provas suficientes de que os atos preparatórios do golpe de estado foram praticados.
A certa altura do voto, Fux comparou o caso de Bolsonaro ao episódio, em 2017, quando o ex-PGR Rodrigo Janot foi armado ao STF porque tinha a intenção de assassinar o decano Gilmar Mendes. Para o ministro, como nem o ex-PGR nem o ex-presidente teriam “consumado” os crimes, devem ser inocentados.
- Inocência dos demais acusados
Divergindo de Moraes, Fux absolveu o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general Augusto Heleno e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de todas as acusações que foram imputadas a eles pela PGR. Fux repetiu várias vezes durante o julgamento que não há provas suficientes de que eles cometeram crimes ou que quiseram realmente atentar contra a democracia.
Em voto de tom garantista, Fux disse que a legislação brasileira “não prevê a punição da conspiração para a prática de um golpe, somente em casos de terrorismo”. A tese adotada por Moraes — e também por Dino, que o acompanhou — vai no sentido oposto, argumentando que eles efetivamente começaram a tirar o plano golpista do papel e só não o levaram adiante por não terem recebido todos os apoios que queriam das Forças Armadas.
- Condenação mais leve para Mauro Cid e Braga Netto
Com cinco acusações nas costas e a benesse de receber uma penalidade mais baixa, de até dois anos de prisão, que o manteria em regime aberto, Cid obteve um voto mais favorável de Fux do que de Moraes. Enquanto o relator lhe imputou a prática de todos os crimes de que foi acusado, Fux condenou o ex-ajudante de ordens apenas por Abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A mesma penalidade foi imputada ao general Walter Braga Netto — porém, com ele, Fux foi mais duro que com os demais réus. O ministro disse que o militar “planejou e financiou o início da execução de atos destinados a ceifar a vida do relator desta ação penal, Alexandre de Moraes”.
- Crime de dano qualificado
Fux argumentou que o crime de dano qualificado é absorvido pelos outros crimes mais graves que estão na acusação. Por isso, ele deve ficar de fora. A pena máxima desse crime, aplicada quando o alvo é patrimônio público, é de três anos.
- Crime de organização criminosa armada
Para Fux, o fato de os réus terem sido acusados de agir em concurso (termo jurídico para quando vários suspeitos cometem um delito juntos) não é suficiente para configurar o crime de organização criminosa. Os planos que foram encontrados pela Polícia Federal, na análise de Fux, também não são o bastante para que a Justiça classifique os acusados como uma organização.
- Competência do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ainda nas preliminares de mérito, Fux argumentou que nem o plenário da Corte, nem a Primeira Turma são o foro competente para julgar os réus do núcleo 1 do golpe de estado. Ele comparou o caso à operação Lava Jato, que começou na primeira instância, e disse que no seu entendimento o ex-presidente e seus aliados não têm foro privilegiado. A consequência desse entendimento, para o ministro divergente, é a nulidade de tudo o que aconteceu na ação.
- Document dumping
Ao longo do processo do golpe, as defesas bateram o pé pedindo mais tempo de apresentação de defesa por conta do grande volume de provas produzidas no inquérito. Moraes negou todos os pedidos e manteve os prazos previstos em lei, afirmando que o processo seguiu o rito previsto na legislação. Fux deu razão aos advogados e disse que houve cerceamento de defesa por conta do tempo exíguo para análise do grande volume de provas produzidas, prática chamada de “document dumping” (do inglês, avalanche de documentos).