Franceses foram às ruas nesta quarta-feira, 10, para protestar contra a escolha do novo primeiro-ministro da França, Sébastien Lecornu, após a queda do seu antecessor, François Bayrou, que renunciou por perder um voto de confiança no Parlamento. A manifestação conhecida como “Block Everything” (Bloqueie Tudo, em português) tomou forma nos últimos meses, antes mesmo da derrota de Bayrou, através das redes sociais. Ao menos 200 pessoas já foram presas na manifestação, de acordo com a rádio francesa RFI.
O protesto prevê greves, bloqueios de estradas e boicotes, tendo sido aderido por partidos e sindicatos de esquerda. Outra manifestação, essa convocada pelos próprios sindicados, foi convocada para 18 de setembro. Mais de 80 mil policiais e gendarmes, força militar responsável por manter a ordem pública, foram mobilizados em todo o país. Eles serão apoiados por helicópteros, drones e veículos blindados.
“No dia 10, bloquearemos tudo para derrubar o próprio Sr. Macron, porque ele é o responsável pela crise”, disse Jean-Luc Mélenchon, líder do partido de extrema-esquerda La France Insoumise, ao convocar apoiadores para o ato desta quarta.

Protestos em Paris
Muitas das mobilizações aconteceram próximas a escolas. Em Paris, paralisações foram registradas em Henri-IV e no Lavoisier no 5º arrondissement, Lamartine no 9º, Voltaire no 11º, Claude-Monet no 13º e Hélène-Boucher no 20º, informou a agência de notícias francesa AFP. Cerca de 100 jovens, alguns encapuzados, estavam em frente ao Lavoisier nesta manhã. Cartazes davam o tom do protesto: “Para encher os cofres deles, Bayrou está nos roubando”, dizia um deles, ainda em crítica ao ex-premiê, mostrou a AFP.
“Estamos fartos porque sentimos que somos a geração sacrificada porque, por exemplo, não há dinheiro para nada na escola”, disse Yonah, 17 anos, uma aluna que está prestes a se formar, à agência de notícias.

Em paralelo, garagens de ônibus e partes do anel viário foram brevemente ocupadas em Paris. Os manifestantes foram expulsos pela polícia com gás lacrimogêneo. O chefe da polícia da capital, Laurent Nunez, adiantou que as forças “não tolerarão quaisquer danos ou bloqueios” e “intervirão sistematicamente”. Episódios similares também foram relatadas em Caen, Nantes, Bordeaux, Toulouse e Lyon, onde ocorreram confrontos envolvendo por volta de 150 pessoas, de acordo com a RFI.
Nomeação de Lecornu
O presidente da França, Emmanuel Macron, nomeou o aliado Sébastien Lecornu, membro de sua coalizão centrista, o Renascimento, como primeiro-ministro na terça-feira, 9. A opção pelo político conservador que apoiou sua candidatura presidencial em 2017 e já foi considerado seu pupilo desafiou, mais uma vez, as expectativas de que o líder francês pudesse indicar ao cargo um nome da esquerda, que compõe o maior bloco na Assembleia Nacional.
Este é o quinto primeiro-ministro da França em menos de dois anos. Lecornu assume o posto depois que o parlamento destituiu François Bayrou, que passou nove meses na posição, devido à sua proposta de cortes de gastos para controlar a crescente dívida do país.
A escolha de Lecornu, de 39 anos, indica que Macron está determinado em manter de pé o governo minoritário que apoia firmemente sua agenda de reformas econômicas pró-negócios, segundo a qual os impostos sobre empresas e os ricos foram reduzidos e a idade de aposentadoria aumentada.
Mas é uma decisão arriscada: o presidente corre o risco de alienar o Partido Socialista, de centro-esquerda, o que deixaria seu governo ainda mais dependente do apoio da extrema direita de Marine Le Pen, o Reagrupamento Nacional, para passar suas reformas na Assembleia Nacional.
Que o líder francês tenha nomeado um premiê de sua própria ala, com inclinação conservadora, parece mostrar que ele decidiu preservar seu legado econômico a todo custo. O Partido Socialista, que chegou a costurar uma aliança com o Renascimento, se comprometeu a reverter algumas das principais políticas pró-negócios do governo — incluindo o fim do imposto sobre grandes fortunas e o aumento da idade de aposentadoria, pontos que o presidente considera essenciais para tornar a França atraente para os investidores.
Lecornu também já teve um jantar secreto com Jordan Bardella, o presidente do partido de Le Pen, e chamou a atenção do Reagrupamento Nacional. Autoridades da legenda de extrema direita disseram à agência de notícias Reuters que poderiam manter algum tipo de apoio tácito ao novo premiê. Enquanto isso, porém, o partido afirmou que não tolerará aumentos de impostos para trabalhadores.
Orçamento em foco
A prioridade imediata de Lecornu será chegar a um consenso sobre o orçamento para 2026, a tarefa que foi a ruína de Bayrou. O antigo premiê fazia pressão por cortes de gastos da ordem de 44 bilhões de euros para reduzir o déficit anual dos atuais 5,4% do PIB, quase o dobro do teto da União Europeia, para 4,6% do PIB.
Os valores que ele propôs passar a tesoura são até modestos diante do cenário, mas mexeram com o vespeiro: congelamento de aposentadorias e salários de funcionários públicos; flexibilização das leis de seguro-desemprego; freio ao programa de subsídios a medicamentos; e, a mais impopular de todas, abominada por oito em cada 10 franceses, abolir dois dos onze feriados anuais de modo a aumentar a produtividade.
Nada indica que Lecornu será mais capaz de lidar com o presente cenário do que o experiente Bayrou. Atiçados pela perspectiva de ganhar eleitores, os radicais de ambos lados da Assembleia Nacional competem em demagogia, prometendo simultaneamente mais benefícios sociais e menos disciplina fiscal. Qualquer um que tente sanear as contas públicas enfrenta resistência nas duas pontas.