“Não aguento mais viver momentos históricos.” A frase não é minha, tem aparecido para mim nas redes sociais com cada vez mais frequência, e acho compreensível que as pessoas se identifiquem com ela. Afinal, de pandemia a guerras, passando por tentativas de golpe, anda meio difícil não se sentir atordoado.
Nesse cenário, a inteligência artificial aparece como mais um elemento com que a gente precisa lidar. Por um lado, facilita a rotina em uma série de situações. Por outro, paira sobre o mercado de trabalho com a promessa de automação.
Com isso em mente, fui conversar com Gary Bolles, mentor do Vale do Silício. O norte-americano, que esteve no Brasil para o IT Forum Praia da Forte, evento realizado pelo IT Forum, frente de negócios do Itaqui, é integrante da Singularity University e autor do livro The Next Rules of Work.
Como preparar as crianças para o futuro do trabalho, num cenário tão imprevisível?
A primeira coisa que sugiro para os pais é uma mudança de mentalidade. Nos Estados Unidos, chamamos de “helicoptering”, quando os pais pairam sobre as crianças para protegê-las. O desafio disso é que elas não aprendem a ser resilientes e a resolver desafios. Se continuarmos a levantá-las quando caem, elas não saberão como se levantar sozinhas. A primeira coisa a fazer é descobrir quais são os riscos seguros para ajudar seu filho a praticar a resiliência.
E como se faz isso?
Uma diretora de marketing de uma grande empresa me contou sobre a sua experiência na praia com o filho de cinco anos, que queria entrar nas ondas. Ela deu uma olhada pro mar, e encontrou uma onda que não era muito grande nem muito pequena. A criança correu, foi derrubada e voltou com um enorme sorriso no rosto, orgulhosa do que havia feito. É isso que ela sugere: exponha seu filho a desafios que permitam que ele aprenda resiliência e independência sem um risco muito grande. O mesmo vale para as organizações que querem ajudar seus trabalhadores a serem expostos a novos problemas para resolver, sem que a empresa resolva todos os problemas para eles.

Você chama smartphones de dispositivos de distração digital. O tempo de tela para crianças deve ser limitado?
Faça o que puder para limitar a exposição à tela nos primeiros três anos. Dos 3 aos 5 anos, no máximo, meia hora por dia de todas as telas, incluindo televisão. Daí em diante, você precisa ajudá-las a criar suas próprias regras para limitar o uso. Encoraje as crianças a assistirem a conteúdo de formato mais longo, pelo menos meia hora, até um filme, com outras crianças, para que seja uma experiência compartilhada.
O conteúdo curto, como do TikTok e dos YouTube Shorts é prejudicial?
Os estudos mostram que esse formato tem um impacto negativo nas habilidades de atenção. O aumento do déficit de atenção para os jovens, que está aumentando, é um grande contribuidor para a falta de habilidade de ter atenção a longo prazo e isso tem um impacto maciço no aprendizado.
Há uma crença de que muitas pessoas do Vale do Silício não deixam seus filhos usarem mídia social. Isso é verdade?
Aqueles que têm mais dinheiro e poder, que têm recursos, recebem a mensagem de que precisamos expor nossos filhos ao mundo analógico. Por outro lado, há aqueles que são chamados de tecno-otimistas, que pensam que tudo pode ser resolvido com tecnologia. Eles não acham que você precisa mais de professores porque temos telas. A verdade é que precisamos de ambos. É ideal uma exposição limitada às telas, onde as crianças podem aprender e ter muito controle e interação, tanto quanto em um esporte de equipe. Mas é preciso ter esses ritmos alternados.
Há um meme que tenho visto com mais frequência ultimamente, que diz “estou cansado de viver momentos históricos”. O que mais assusta as pessoas hoje em dia?
A preocupação de hoje se resume a uma única questão: o que vai durar? Em uma era de constante enxurrada de informações, as pessoas recuam e buscam por segurança em primeiro lugar. É por isso que vemos uma guinada conservadora em todo o mundo. As pessoas só querem entender essa onda após onda de mudança exponencial e se há algo que possa ser constante.
E há algo que pode ser constante?
Sua família, sua comunidade e religião são constantes. No aspecto profissional, o cenário é diferente. Porque a natureza do trabalho e das organizações está sendo transformada. No passado, você poderia ser médico ou advogado e ter a certeza que continuaria no ramo em quarenta anos. Hoje não é mais assim.
Tenho visto muitas pessoas voltando para a escola aos 40. Reinvenção se tornará cada vez mais a regra profissional?
Não apenas a regra, mas a exigência. Com o ritmo e a escala da mudança de hoje, cada indivíduo vai se encontrar em situações em que o trabalho que faziam vai mudar.
A IA tornará a semana de trabalho de quatro dias possível?
Existem ótimos exemplos de empresas, como agências criativas no Reino Unido, que tentaram uma semana de trabalho de quatro dias. E eles descobriram que, com a estrutura certa, você pode ter a mesma produção, o mesmo resultado e a mesma eficácia dos funcionários.