Acaba de estrear nos cinemas do Brasil Amazônia, a Nova Minamata, dirigido pelo cineasta e pesquisador Jorge Bodanzky, que há décadas se debruça sobre as mazelas da floresta e de seus habitantes. Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), no Pará, Bodanzky alerta para a intoxicação dos rios por mercúrio devido à atuação do garimpo, tece comparação ao desastre que assolou Minamata, no Japão, e pondera o quanto o estado da região mudou entre o começo de sua carreira — quando rodou a ficção Iracema – Uma Transa Amazônica (1975) — e agora. Leia a entrevista:
De onde veio o projeto do documentário? A ideia surgiu quando estávamos fazendo a série Transamazônica – Uma Estrada para o Passado em 2016. Quando visitamos os indígenas Munduruku no Rio Tocantins, nos deparamos com um encontro de caciques, onde estava lá um médico. Achei estranha essa presença e resolvemos conversar com o doutor, que é o Eric Jennings, e ele nos disse que havia ali uma demanda fora do comum de cadeira de rodas para crianças. Ele foi lá pesquisar o porquê, já desconfiando que poderia ser uma consequência da intoxicação por mercúrio. Foi ele quem apontou que os sintomas observados eram os mesmos que haviam surgido na Baía de Minamata, no Japão, onde houve derrame de mercúrio por parte da indústria química nos anos 1950. A ideia de comparar Minamata ao que acontece na Amazônia deu origem ao filme.
Durante as filmagens do documentário, o quão rápido percebia o avanço do garimpo na Amazônia? O garimpo saiu totalmente do controle durante o governo Bolsonaro — e foi inclusive incentivado a isso. O ouro passou a ser alvo de uma demanda internacional muito grande e a distribuição do mercúrio foi parar nas mãos dos traficantes, que, além da cocaína, descobriram que traficar com ouro e mercúrio era lucrativo e abria possibilidades de lavagem de dinheiro. Todos esses fatores pioram o envenenamento dos rios em função do mercúrio. Além disso, uma outra questão, hoje muito grave, é que há uma parte dos indígenas cooptada pelos garimpeiros, que oferecem dinheiro, cestas básicas e celulares. Alguns indígenas, sem alternativa econômica, acabam aceitando e se tornam protetores do garimpo na área.Esses grupos são extremamente violentos. Um deles impediu que o doutor Erik fizesse o retorno dos exames. Quando ele tentou devolver os dados às lideranças Munduruku, o avião teve que parar em Jacareacanga (Pará) para abastecer. Lá, ele foi atacado por um grupo bastante grande de indígenas cooptados que o ameaçaram com pedras. Só muito mais recentemente que ele conseguiu devolver os resultados à comunidade.
Em Minamata, o mercúrio contaminou centenas de pessoas e provocou a infame doença neurológica que entrou para os livros de história. Já na Amazônia, o alarde atual é muito menor. Como o trabalho do documentarista pode conscientizar uma população sobrecarregada de informação e possivelmente dessensibilizada? O acesso à informação sobre o que ocorre na Amazônia ainda é muito restrito porque os problemas causados pelo mercúrio, como o filme aponta, não são explícitos. Eles demoram muitos anos para dar as caras e o mercúrio não tem cheiro, nem cor. É difícil convencer a população de que ela está em um processo de contaminação muito grande, daí a comparação com Minamata. É uma forma que encontramos de mostrar a eles, ainda que os efeitos imediatos sejam invisíveis, as consequências que os aguardam. Minamata é também exemplo da luta dos pescadores locais, que por 30 anos trabalharam para fechar a fábrica, ser indenizados e limpar a baía. Hoje, eles voltaram a pescar por lá e comer o peixe do rio. No Brasil, a situação é mais complexa. A limpeza dos rios amazônicos é quase impossível. Acredito que a função de um documentarista é trazer à tona os problemas e, principalmente, provocar uma reflexão sobre eles. Nesse caso, o material também pode — e já está sendo — utilizado como forma de ativismo e alerta.
Há pouco mais de um mês, Iracema – Uma Transa Amazônica retornava aos cinemas. Com décadas entre um projeto e outro, qual a grande mudança no cenário? Documento a Amazônia há 50 anos e noto, claramente, que os problemas todos estão aí. O que percebo também, por outro lado, é a evolução da organização da sociedade civil. Hoje, quilombolas, ribeirinhos e indígena são organizados, sabem o que querem e lutam pelos seus direitos. Ainda é uma luta que não tem força suficiente junto ao Congresso — e não sei nem quando vai ter —, mas sinto que se há uma possibilidade de mudança, ela não virá dos políticos, e sim destas pessoas.
Em pouco tempo, acontece a COP30 em Belém. Acredita que a transformação da cidade em palco diplomático seja capaz de exercer efeitos positivos duradouros na região? Acho que a presença dessa sociedade civil será muito forte e importante para o Brasil. Já a posição dos governos está clara: não estão comprometidos com a causa, ou pelo menos poucos deles estão parcialmente comprometidos. Vai ser um grande palco para que os civis mostrem o que querem, podem e devem fazer.
Acompanhe notícias e dicas culturais nos blogs a seguir:
- Tela Plana para novidades da TV e do streaming
- O Som e a Fúria sobre artistas e lançamentos musicais
- Em Cartaz traz dicas de filmes no cinema e no streaming
- Livros para notícias sobre literatura e mercado editorial