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Virginia Cavendish reflete sobre a falta de bons papéis na TV

A sombria disputa travada entre as rainhas Elizabeth I (1533-1603) e Mary Stuart (1542-1587) pelo trono da Inglaterra no século XVI é tema do espetáculo Mary Stuart, dirigido por Nelson Baskerville, que chega agora ao Rio, no Teatro Nelson Rodrigues. A peça é estrelada por Virginia Cavendish e Ana Cecília Costa/Ana Abbott (alternante), que interpretam as monarcas Mary Stuart e Elizabeth, respectivamente. Para a coluna GENTE, Virginia, 54 anos, conhecida por personagens como Rosinha, de O Auto da Compadecida (2000), e Inaura, de Lisbela e o Prisioneiro (2003), fala sobre a peça, que ajudou a idealizar, além do afastamento das novelas da TV Globo e de novos interesses na carreira. 

Como transformar uma peça sobre a disputa entre rainhas pelo trono da Inglaterra no século XVI em algo contemporâneo? O que tem de contemporâneo, na verdade, é a opressão, porque são duas mulheres protagonistas: uma termina assinando um papel que decapita a outra, só que na verdade ela foi pressionada por homens em volta dela. Eles mudaram as leis para que isso tudo acontecesse. De certa forma, é um feminicídio também. Essa coisa dos poderosos mudarem as leis de acordo com seus interesses é completamente contemporânea, atravessa séculos e séculos. As pessoas têm que ficar acordadas, despertar para o cidadão político que todo mundo precisa ser.

Você já viveu alguma represália por dar opinião política? Já, em campanha política, já recebi sim, mas não dou espaço para hater, bloqueio todo mundo que tem ódio no coração. Como diz Antígona, ‘vim para o mundo para o amor, não para a guerra’. Se vem com esse tipo de atitude, nem respondo. Porque aí não é espaço para diálogo, né? Se não é espaço para diálogo é a morte.

Como produtora, você tem se empenhado em trazer histórias que refletem a luta das mulheres. Por quê? Gosto de produzir, de realizar projetos que falem de coisas que me interessam na atualidade, no meu momento e cada vez mais falo sobre protagonismo feminino. Acabei de fazer um mestrado sobre Hedda Gabler no Brasil. É uma luta constante a gente falar de histórias femininas, de trazer à tona mulheres importantes na história, na humanidade.

Sobre o mestrado na USP em História do Teatro, pretende dar aulas? Gosto de estudar, e sempre tive vontade de fazer um mestrado, há mais de 20 anos, mas sempre adiava. Na pandemia consegui sentar e desenvolver esse projeto. Mas não sei se quero dar aula, poderia dar, meu pai fez carreira acadêmica, minha mãe também. De alguma forma tenho essa vocação dentro de mim, mas não sei. Portas podem se abrir alguma hora. 

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Você também lançou o documentário O Segredo Delas, no qual as atrizes 70+ são protagonistas. Existe uma escassez de papeis na TV para mulheres maduras. Não é angustiante? Muito, você termina fazendo só papel de mãe. Conversei uma vez com a Fernanda Montenegro que falou: ‘Virgina, aos 25 anos já estavam me colocando como mãe, se eu não construísse minha carreira no teatro, era o que ia sobrar para mim na televisão’. E eu fui e desenhei o que queria ser como atriz através das peças que produzi. Na sociedade, o entretenimento não valoriza mulheres mais velhas. A gente está alargando esse espaço. 

Foi a falta de papéis que provocou seu afastamento das novelas? Nunca tive isso de: ‘quero ser atriz de televisão’, nunca pensei nisso. Quero ser atriz de bons papéis seja na televisão, no cinema ou no teatro. Agora, quando estava fazendo Malhação em 2012, Mandrake (2012), não estava feliz, queria voltar a estudar teatro. Tinha 40 anos e falei: ‘não era isso que pensei quando tinha 17 em Recife’. Então fui para São Paulo e sei o preço que paguei por isso, mas foi uma mudança radical na carreira, que está me levando para coisas que me interessam, que é produzir cinema, série, peças de teatro. Quando e se me chamarem para fazer um papel interessante, vou fazer com o maior prazer, vou adorar. Mas essa minha mudança foi proposital e consciente. 

O que seria um papel interessante para você? O que me tira da zona de conforto. Um trabalho que não se sabe se vai dar conta, que desafia a capacidade artística. Lembro que quando tinha acabado de fazer Lisbela e o Prisioneiro, me chamaram para fazer Avassaladoras (2006). Era uma protagonista sensual, gostosona. E falei: ‘Não, não quero fazer esse papel. Acabei de fazer isso no cinema e muito bem feito. Quero fazer a workaholic’. Tive que marcar um encontro com a produtora e mudei a personagem. 

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Na continuação de O Auto da Compadecida, sua personagem Rosinha também ganhou novos contornos. Foi dedo seu ali? As pessoas falavam: ‘Ai, por que vocês vão fazer isso? O outro é tão bom’. Mas o outro não vai estragar se a gente fizesse esse ruim. Não quero ter medo de viver, de experimentar, de errar. Enquanto as mulheres da década de 50 estavam em casa lavando roupa e cozinhando, esperando o marido, ela rompeu com esse paradigma e foi-se embora, largou o pai, a herança e foi viver a vida dela. Ela não deixou que a espinha dorsal dela fosse o homem, porque as mulheres eram assim. Ela foi em busca dos seus desejos. É dessa forma que as mulheres devem ser retratadas, não como a mãe de alguém, a mulher de alguém… Nesse sentido a gente conversou muito na construção da Rosinha. E ela ficou muito parecida comigo. 

SERVIÇO: Mary Stuart – até 21/09, qui e sex – 19h, sáb e dom – 18h. Teatro Nelson Rodrigues – CAIXA Cultural RJ. Ingressos: caixacultural.gov.br

Virginia Cavendish em Mary Stuart
Virginia Cavendish em Mary StuartPriscila Prade/Divulgação

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