Um estudo publicado na revista científica Nature Climate Change aponta que o desmatamento tropical entre 2001 e 2020 foi responsável por 28,3 mil mortes adicionais por ano relacionadas ao calor extremo na América do Sul, África e Ásia.
O trabalho, conduzido por cientistas da Universidade de Leeds, no Reino Unido, é o primeiro a quantificar os impactos diretos do desmatamento na saúde humana.
Segundo os pesquisadores, a perda de cobertura florestal nos trópicos provocou, em média, 0,45°C de aquecimento adicional nas regiões afetadas.
Isso significa que 64% do aumento das temperaturas locais nesses territórios pode ser atribuído apenas ao desmatamento, e não ao aquecimento global causado por combustíveis fósseis.
Esse efeito, destacam os autores, é resultado da interrupção do ciclo natural de resfriamento promovido pelas árvores, que transferem água do solo para a atmosfera por meio da evapotranspiração. Sem florestas, o ar fica mais seco e quente.
Saúde pública sob ameaça
O impacto humano é descrito como “chocante”. Em áreas desmatadas, seis em cada 100 mil habitantes morreram em decorrência do calor adicional causado pela perda das florestas. No Vietnã, a taxa chega a 29 mortes por 100 mil pessoas, o maior índice registrado.
Para os cientistas, o estudo muda a forma de entender o problema.
“Estamos acostumados a tratar o desmatamento como uma questão de carbono e biodiversidade. Agora fica claro que se trata também de um problema de saúde pública de primeira ordem”, afirmou Nicholas Wolff, pesquisador do Nature Conservancy, que não participou do estudo.
O mapa do desmatamento
Os dados mostram que, entre 2001 e 2020, o planeta perdeu 1,6 milhão de km² (160 milhões de hectares) de florestas tropicais – uma área equivalente a quase três vezes o território da França.
A maior devastação ocorreu na Amazônia e em outras partes da América do Sul, seguida pelo Sudeste Asiático e pela África tropical.
Em 2024, o mundo registrou perda recorde de 6,7 milhões de hectares de florestas primárias, puxada por queimadas e abertura de áreas agrícolas.
A consequência foi um aquecimento local significativo:
0,34°C na América do Sul
0,10°C na África
0,72°C no Sudeste Asiático
Nos locais em que a floresta foi mantida, o aumento foi menor: apenas 0,2°C em média.
Vulnerabilidade e desigualdade
Os efeitos recaem principalmente sobre comunidades tradicionais e indígenas, que vivem próximas às áreas desmatadas e têm acesso limitado a infraestrutura de saúde e adaptação ao calor.
Além disso, muitas dessas populações dependem da abertura de áreas para agricultura de subsistência e renda, o que cria um paradoxo perverso: o mesmo desmatamento que garante a sobrevivência imediata aumenta os riscos de doenças e mortes a médio e longo prazo.
“É uma escolha forçada entre necessidades econômicas urgentes e a preservação da saúde e do ambiente”, resumiu Wolff.
Brasil em foco
O Brasil, que concentra mais de 60% da floresta amazônica, é peça-chave nessa equação. Embora os índices de desmatamento tenham caído em 2023 e 2024, após políticas de reforço à fiscalização, a pressão por expansão agrícola segue elevada.
Amazônia e Cerrado, este último considerado o berço das águas do país, já enfrentam recordes de calor e seca.
Especialistas alertam que o efeito do desmatamento sobre o aumento das temperaturas pode agravar crises de saúde, com maior incidência de desidratação, doenças renais, cardiovasculares e respiratórias.
Para a pesquisa, o Brasil precisa incluir o aquecimento induzido pelo desmatamento em suas políticas de saúde pública, porque as mortes não são estatística distante. Acontecem aqui, sobretudo em comunidades vulneráveis da Amazônia e do interior do Nordeste.
O papel das florestas no clima global
Além da absorção de carbono, as florestas tropicais atuam como reguladoras climáticas planetárias.
Pela evapotranspiração, mantêm a umidade atmosférica, alimentam os chamados “rios voadores”, massas de vapor de água que transportam chuva para outras regiões, e ajudam a equilibrar a temperatura global.
Sem elas, o planeta perde um “ar-condicionado natural”, tornando ondas de calor mais frequentes e intensas.
Cientistas alertam que, se o desmatamento continuar em ritmo acelerado, o risco de colapso climático regional aumenta, com impactos diretos sobre agricultura, abastecimento de água e saúde.
O estudo reforça a urgência de combater o desmatamento como estratégia de saúde pública.
Ele também dialoga com debates sobre justiça climática: países tropicais concentram as florestas, mas os custos humanos e ambientais recaem de forma desproporcional sobre suas populações mais pobres.
Para especialistas, frear a devastação é crucial não apenas para cumprir metas climáticas, mas para salvar vidas no presente.