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O peso invisível da DPOC no Brasil: urgência não pode mais ser ignorada

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é como uma névoa persistente que sufoca não apenas os pulmões de quem a enfrenta, mas também a engrenagem da produtividade nacional. Silenciosa, progressiva e subdiagnosticada, essa condição respiratória vem drenando recursos humanos e financeiros no Brasil com uma força que não se vê, mas se sente: em hospitais, nas famílias e nas contas públicas.

Um estudo apresentado no ISPOR Europa2024 – principal conferência dedicada à discutir as tendências mais recentes em avaliação de valor em saúde, políticas públicas e inovação centradas no paciente – revelou que, entre 2014 e 2023, a DPOC gerou um impacto superior a R$ 1 bilhão no sistema previdenciário brasileiro, em relação aos novos benefícios cedidos neste período, sendo as aposentadorias precoces o principal catalisador desse custo: a condição foi responsável por menos de 20% dos novos benefícios concedidos por DPOC, porém foi responsável por mais de 55% dos gastos totais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A maioria dos beneficiários são homens com idade média de 56 anos, em plena fase ativa. E o impacto não é homogêneo pelo país revelando desigualdades regionais que são reflexos de acesso à saúde, distribuição epidemiológica geográfica, condições de trabalho e políticas públicas.

Imagine uma linha de produção onde, de repente, milhares de operários são retirados antes do tempo, não por escolha, mas por falta de ar. Ainda segundo o estudo, publicado no Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, a DPOC causou a perda de mais de 196 milhões de dias de trabalho, com impacto anual de R$ 230,7 bilhões em produtividade e até R$ 240 bilhões em perdas totais para o país.

O custo humano da doença é ainda mais profundo. A DPOC não apenas tira o fôlego, mas também a autonomia do paciente. Os sintomas mais comuns, como a tosse crônica, chiado e cansaço, são muitas vezes ignorados, até que se tornem incapacitantes. Segundo pesquisas recentes, mais de 90% dos pacientes e cuidadores sentem falta de informação sobre a DPOC, especialmente sobre o tratamento, 36% dos pacientes não sabem o que fazer durante uma exacerbação – ataque pulmonar geralmente associado a uma piora irreversível do quadro, comprometendo progressivamente a qualidade de vida – e apenas 18% dos cuidadores se consideram muito preparados para lidar com crises.

A maioria dos cuidadores é composta por mulheres acima dos 50 anos, sem formação na área da saúde — 73% não são profissionais formados, o que agrava o desafio do cuidado. Mais de 37% dos cuidadores de pacientes com DPOC abandonaram ou reduziram suas atividades profissionais para se dedicar integralmente ao cuidado, e quase 73% enfrentam impactos financeiros significativos por exercerem essa função sem remuneração.

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A DPOC impõe uma jornada longa e desafiadora aos pacientes e seus familiares, desde os primeiros sintomas até o diagnóstico preciso, passando por muitos estigmas, já que o principal fator de risco da doença é o tabagismo. O manejo adequado dessas crises é essencial para evitar hospitalizações recorrentes e perda funcional, o que reforça a necessidade de terapias mais eficazes e direcionadas.

Mas há luz no final desse túnel. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) avalia nesse momento a inclusão de uma inovação terapêutica para um perfil de pacientes que hoje não conta com um tratamento personalizado: aqueles com DPOC associada à inflamação tipo 2 — que afeta uma parcela pequena de pessoas, mas de forma mais severa com risco elevado de ataques pulmonares. Uma consulta pública está aberta e recebe contribuições até esta segunda-feira, 1º.

Infelizmente, a recomendação inicial da agência reguladora foi desfavorável à inclusão dessa nova terapia nos planos de saúde, decisão preocupante quando analisamos o contexto atual. A conexão entre a inflamação tipo 2 e a DPOC representa um avanço científico recente e transformador e abre caminho para uma nova era no tratamento da doença, mas sem acesso para quem precisa, não passa de uma promessa.

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A DPOC merece deixar de ser invisível aos olhos dos sistemas de saúde. Não se trata apenas de uma doença respiratória, mas de um problema social, econômico e humano. Ignorar esse fardo é condenar o Brasil a continuar respirando por aparelhos. É hora de transformar dados em ação, ciência em acesso e sofrimento em solução para milhares de pacientes.

*Paulo Antônio de Morais Faleiros é médico pneumologista especialista em DPOC e perito do INSS

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