Israel Katz, como na piada, não tem mamas nem papas na língua. Assume uma postura agressiva na defesa de Israel, condizente ou até mais dura do que a do governo de Benjamin Netanyahu, com quem divide o mesmo partido, o Likud. Ele estava em posições-chave quando respondeu enfaticamente à comparação de Lula da Silva entre os judeus e Hitler – uma vergonha nacional – e agora ao rebaixamento de relações, provocado deliberadamente pelo governo brasileiro ao não dar o aceite para o novo embaixador israelense.
Nada do que ele fale se compara à declaração feita por Lula em fevereiro do ano passado: “O que está acontecendo com o povo palestino na Faixa de Gaza não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus”.
Ele poderia ter feito uma comparação com Gêngis Khan ou Átila, o Huno, mas a invocação de Hitler implica num dano moral irreparável para todos os judeus e repugnante para todas as pessoas com um mínimo de decência. Revela, também, um antissemitismo profundamente entranhado, uma vontade de ultrajar os judeus como um todo, comparando-os ao monstro que comandou seu genocídio.
Por causa dessas declarações, Katz, como ministro das Relações Exteriores, convocou o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, para uma reprimenda, como faz parte do ritual diplomático. Em vez de recebê-lo na chancelaria, Katz o levou ao Museu do Holocausto e fez uma explanação, em hebraico, sobre o horror do massacre multinacional dos judeus europeus. Falou inclusive sobre sua família, do avô que viveu o holocausto – seus pais, descendentes de judeus romenos, foram para Israel depois da guerra.
‘COMENDO CHOCOLATES’
O que há de errado nessa lição de história, mesmo que nada ortodoxa? O líder supremo da política externa brasileira, Celso Amorim, disse que “nosso embaixador foi humilhado”. É uma palavra errada, nascida de uma conceituação errada. Serviu como pretexto para o governo brasileiro chamar o embaixador de volta e deixar, deliberadamente, as relações se deteriorarem. Katz declarou Lula persona non grata em Israel, o termo em latim usado universalmente para repudiar a presença de alguém. Posteriormente, a aprovação indicação do novo embaixador israelense foi congelada.
É claro que o governo Lula quer confronto com Israel e pratica uma política de quanto pior, melhor. Katz e as outras autoridades israelenses sabem muito bem disso. Em situação normais, talvez até relevassem, em nome dos interesses nacionais superiores. Mas a situação israelense se tornou tragicamente anormal a partir do massacre de 1,2 pessoas em 7 de outubro de 2023 praticado pelo Hamas.
Katz, como representante do governo, não quer contemporizar com ninguém e chamou Lula de “antissemita apoiador do Hamas”. Às vezes, exagera e até complica sua própria situação. Disse, por exemplo, logo depois do massacre nos kibutz, que não queria “o levantamento do bloqueio e a entrada de suprimentos em Gaza. Nosso compromisso é com as famílias dos assassinados e dos reféns sequestrados – não com os assassinos do Hamas e com os que os ajudaram”. Castigar uma população inteira é punição coletiva, o que pode se enquadrar na categoria de crime de guerra.
A visão de uma guerra generalizada contra o islamismo radical, que prega a destruição total de Israel, é prevalecente no país, mas poucos são tão enfáticos para dizer isso como Katz. Antes da guerra de Gaza, ele já era bem veemente. Falou assim depois dos atentados terroristas que mataram 34 pessoas na Bélgica: “A primeira regra da guerra é conhecer seu inimigo, e a Europa e o atual governo americano não querem definir essa guerra como sendo contra o terrorismo islamista. Se os belgas continuam comendo chocolate e a aproveitar a vida, não perceberão que alguns muçulmanos estão organizando o terrorismo em seu país, não terão capacidade de combatê-los”.
‘ESTADO PALESTINO NO PAPEL’
A situação premente da população em Gaza é, obviamente, motivo de grave preocupação, tanto entre os que sempre culpam Israel por tudo quanto os que não suportam mais o sofrimento de civis. O reconhecimento de um estado palestino por governos europeus que não são adversários de Israel é uma forma de tentar forçar o governo israelense a aceitar um acordo para acabar com a guerra sem chegar à desarticulação total do Hamas, um objetivo provavelmente impossível.
Israel Katz reagiu a esse momento dizendo que os países europeus ‘vão reconhecer um estado palestino no papel, enquanto nós construímos o estado israelense judeu no chão”.
Até o Partido Democrata americano, através de sua direção nacional, aprovou uma moção pedindo o reconhecimento de um estado palestino – algo inimaginável nos Estados Unidos até há bem pouco tempo atrás.
A pressão diplomática contra Israel é enorme e só vai aumentar com a expansão das operações militares em Gaza. Donald Trump disse que dentro de duas a três semanas a guerra chegará “a uma conclusão”. Mas ele já se enganou antes. Hoje, vai chamar os ministros para discutir o “dia seguinte”, o que acontece em Gaza quando a guerra acabar – uma questão infinitamente complicada.
Mas em algum momento, a guerra terá que acabar e começará o acerto de contas interno sobre os erros catastróficos que permitiram o massacre de 7 de outubro. Talvez até um mestre em sobrevivência como Netanyahu não escape disso. Israel Katz pretende estar por perto para tentar a sorte como líder da direita e chefe de governo. Não esperem que ele modere a retórica ou deixe de fazer fotos com inteligência artificial.