Ao saber que foi enganada pela irmã Celina (Malu Galli), Odete Roitman (Debora Bloch) compra sua parte no restaurante Paladar, comandado pela sua inimiga Raquel (Tais Araujo). Com os 65% da sociedade sob sua posse, a vilã decreta o encerramento das atividades do local. A trama que sacode Vale Tudo esta semana despertou dúvidas nos telespectadores. Afinal, esse quiproquó é mesmo possível? Se faltou pesquisa para a escrita de Manuela Dias, a coluna GENTE se adianta na questão e esmiúça os tratos legais que, na prática, são bem diferentes do que vem sendo mostrado na ficção. Pedro Pamplona, advogado especializado em direito Tributário e Empresarial, comenta a seguir os detalhes das cenas da novela da TV Globo à luz da lei brasileira.
Sobre Odete Comprar a parte da Celina (65%): “Em geral, não é possível. Mesmo que ele tenha 65% da empresa, não pode simplesmente chegar e falar ‘vendo ou saio’ para o outro sócio. Pense assim: ter mais de um bolo não te dá o direito de obrigar seu amigo a vender a fatia dele. Só se combinar isso num contrato – tipo, ‘se um dia eu quiser vender, você me vende’ – ou se o sócio minoritário fizesse algo muito errado na empresa. Se não tiver acordo ou esse erro grave, a única saída é briga na Justiça, mas aí é outra história e demora muito”.
Sobre fechar a empresa Paladar: “Aqui, sim, a Odete pode. Como ela tem 65%, ela tem a maioria dos votos. Ele pode decidir que a empresa vai fechar as portas. Mas isso não significa que ele vai ‘comprar’ a parte do outro. Significa que a empresa vai ser ‘desmontada’: vende tudo o que tem, paga todas as dívidas (salários, impostos, fornecedores etc); e o que sobrar, divide entre os sócios, proporcionalmente às cotas de cada um. Não é uma compra forçada, é um ‘encerraremos as atividades’”.
Qual o procedimento e quanto tempo isso leva: “Depende muito de qual caminho eles vão seguir. Caminho Amigável (o melhor): Se o sócio minoritário topar vender a parte dele, é como um divórcio amigável: eles conversam, fazem um contrato de compra e venda das cotas, e registram a mudança na Junta Comercial. Isso pode levar de algumas semanas a poucos meses. É o mais rápido. Caminho da ‘Briga’ na Justiça (para expulsar um sócio): Se o sócio minoritário não quiser sair e não tiver acordo, e o majoritário quiser expulsá-lo por algum motivo (que tem que ser muito sério e provado!), aí só na Justiça. Isso é uma ação judicial demorada, pode levar 2, 3, 5 anos ou até mais, dependendo da complicação do caso e de quantos recursos forem apresentados”.
Ordem de despejo em 24 horas: “Uma empresa fechada não pode receber ordem de despejo em 24 horas, de jeito nenhum. Isso é coisa de filme! A lei brasileira é clara: ninguém é despejado em 24 horas depois de receber um aviso. Quando uma empresa (mesmo que já ‘fechada’ na prática) está alugando um imóvel e não paga, o dono precisa entrar com uma ação de despejo na Justiça. A empresa vai receber uma notificação oficial (a ‘citação’) e, a partir daí, tem um prazo para se defender – geralmente 15 dias. Só em situações muito específicas (e são poucas), a Justiça pode dar uma ordem de saída mais rápida, mas mesmo assim, não é 24 horas. Geralmente, o prazo é de 15 ou 30 dias para a empresa sair, e muitas vezes o dono do imóvel tem que depositar um valor em dinheiro como garantia”.
Para Raquel ficar esperta: “Para chegar a um ponto de saída forçada, a empresa teria que ter ignorado todos os avisos, perdido o processo e não saído voluntariamente depois de uma decisão judicial final. A única situação que pode parecer mais rápida é se alguém invadiu um imóvel sem contrato, mas aí não é despejo de inquilino, é outra ação. Então, pode ter certeza: nem empresa, nem pessoa física é jogada na rua em 24 horas depois de receber um papel do juiz. O processo é bem mais lento e cheio de etapas para garantir o direito de defesa”.