Chegou aos cinemas na última quinta-feira, 21, a comédia Uma Mulher Sem Filtro, com Fabiula Nascimento no papel da publicitária Bia. Na trama, Bia passa por uma situação ainda bastante comum: ela está rodeada por situações degradantes como o machismo do chefe (Caito Mainier), a folga do marido (Emílio Dantas, marido de Fabiula na vida real) e o egocentrismo da melhor amiga (Patrícia Ramos). Prestes a chegar ao limite, Bia é incentivada por uma superior meio sem noção (Camila Queiroz) a tentar uma coisa nova: uma sessão esotérica com a Deusa Xana (Polly Marinho), que vai fazer com que ela perca todos os seus filtros e passe a falar tudo o que pensa, sem medir as consequências.
Esse é o primeiro filme que Fabiula protagoniza. Para além de um filme “gostoso de assistir”, como ela definiu a VEJA, o longa abre uma discussão importante sobre a sobrecarga feminina – um fenômeno comum que, com roteiro adaptado por Tati Bernardi, ganha esse clímax cômico, mas não menos reflexivo. “A identificação vem da questão das demandas que temos em comum. As mulheres vivem sobrecarregadas”, disse a atriz à reportagem. Na conversa completa, Fabiula também falou sobre finalmente poder ser protagonista no cinema e sobre o desenvolvimento de personagens femininas com a introdução de roteiristas mulheres na indústria cinematográfica. Confira:
Esse filme é o seu primeiro como protagonista. Por que acha que levou tanto tempo para isso acontecer? Eu acho que tem uma questão sobre o que é uma protagonista, que história você vai contar, quem é essa mulher. Cada vez mais a gente está tendo o protagonismo feminino no cinema, da mulher contar a sua própria história e não estar a serviço da história de algum homem ou de alguma situação de violência. Nesse roteiro coube o meu físico, a minha cara e a minha idade como protagonista. Eu acredito que seja mais por isso, pelas convenções sociais do que por uma questão de trabalho, de talento ou de roteiros. As coisas vão se quebrando. Estamos vivendo um momento em que há uma luta para que o protagonismo feminino não venha disfarçado, como em algumas obras que você tem o protagonismo feminino, mas o tema central é sobre um homem ou sobre uma relação que foi fracassada. Não é o caso de Uma Mulher Sem Filtro, esse é um filme voltado para o amor próprio.
Pode explicar melhor sobre essa sua ideia de protagonista? As pessoas querem ver novas histórias. Fomos viciadas no formato de protagonismo feminino com a mocinha bonitinha, mas às vezes uma beleza inalcançável. As mulheres podem viver o amor, a delicadeza, podem ser as mocinhas, mas às vezes não têm o perfil ou a imagem do que foi criado como protagonista. Então isso vai se distorcendo, porque as pessoas querem se enxergar nas obras. E agora cada vez mais a gente abre esse mercado para diversas idades, diversas mulheres, para a diversidade, que é o mais interessante hoje.
O que fez deste o filme escolhido para ser o seu primeiro projeto como atriz principal? Foi um projeto que chegou até mim através da [produtora] Conspiração, já somos parceiros há bastante tempo. Eu adorei e achei muito bacana o roteiro, ainda mais adaptado pela Tati Bernardi, que é uma mulher por quem eu tenho muita admiração. Não conhecia o [diretor] Arthur Fontes, mas aí tivemos uma almoço muito agradável, falamos sobre o roteiro, discutimos bastante, que tom de filme seria, ele me contou que havia outras versões e eu fiquei muito interessada. E aí surgiu uma primeira protagonista. Quando faz brilhar os olhos e quando você pega um roteiro tão gostoso que fala de amor próprio, não tem como dizer não.
Acha que o projeto veio em boa hora? Veio em ótima hora. É muito bom poder falar nesses temas, é muito bom viver essa protagonista tão atual e com tantas demandas. Vestiu como uma luva. Acho que cada vez mais a falta de comunicação é um grande erro da sociedade. Não é o caso da Bia, que perde o filtro, enlouquece e fala de um jeito que ninguém quer ouvir, mas eu acho que a comunicação é tudo, falar sobre o que você está sentindo, isso é uma coisa que eu levo na minha vida também. Emprestar um pouquinho disso para ela foi ótimo.
Se identifica com a Bia de alguma forma? Eu acho que a identificação vem da questão das demandas que temos em comum. Como mulher, a gente tem uma profissão, cuida dos filhos, tem que dar conta de estar saudável, tem que dar conta de se divertir, achar um espaço para namorar…a gente tem muitas muitas questões e a mulher moderna sofre muito com isso. Ainda mais que no filme a gente nem toca na questão da maternidade com muita ênfase, mas ainda tem isso. As mulheres vivem sobrecarregadas, e isso cabe a todas nós. Eu acho que, com as mulheres do filme, alguém com certeza vai conseguir se enxergar um pouquinho em cada uma delas, que também passam pelos seus dilemas. O que a gente tem é vontade de viver. A Bia está num momento em que ela é tão massacrada por tudo e por todos, que ela não consegue ver uma saída e aí ela precisa de uma sessão esotérica com a Deusa Xana para tomar essa liberdade. Aí ela explode. Eu me identifico muito mais com a Bia da terceira fase do que da primeira, com essa a mulher que já explodiu, já se equilibrou e aí consegue dizer a verdade na vida sem ofender ninguém.
No filme acontece essa sessão esotérica que desbloqueia algo na personagem, que passa a falar tudo que pensa. Já passou por algum episódio assim, que tenha sido um divisor de águas na forma como você se apresenta e se porta diante das pessoas? Quando eu entrei nos 30 anos, eu estava vivendo sozinha no Rio de Janeiro e tinha tanta coisa acontecendo que se eu não me posicionasse, eu seria engolida. Então, eu sempre me posicionei de uma maneira nem sempre tão assertiva, mas acho que depois que eu fui ganhando mais maturidade e percebendo que eu tinha que me cuidar, senão iam me engolir. Acho que me ver mulher, sozinha, vivendo numa cidade que não era minha, com poucos amigos, me fez tomar conta de mim. E a Deusa Xana pode ser muita coisa. No filme ela está representada como essa deusa, mas ela pode ser a terapia, pode ser um amigo que traz uma palavra de conforto ou quem sabe até uma doença que te faz rever sua vida. A deusa ali está simbolicamente colocada, mas durante a vida a gente tem várias oportunidades de tentar se proteger e criar um autoamor.
O filme tem roteiro de Tati Bernardi, conhecida por escrever personagens que saem desse estereótipo da mulher boazinha. Qual a importância de personagens femininas escritas dessa maneira e também escritas por outras mulheres? É de importância máxima. É muito legal quando uma mulher escreve para outra mulher falar. E a Tati tem essa habilidade. Não só ela, também cito aqui Manuela Cantuária, as duas são mulheres que eu ouço muito e aprendo muito, são minhas referências. Quando eu quero falar sobre esse assunto de roteiro, elas escrevem tão bem para mulheres e elas também tiram desse lugar-comum. Elas fogem completamente disso, tanto nas suas obras, como nos seus livros e roteiros. E é muito legal quando você pega um roteiro em que você não precisa mexer quase em nada, porque ali está retratada uma insatisfação, às vezes pequenas frases como: “Eu cansei de tentar fazer gente idiota feliz”. Tem tantas frases legais assim dentro do texto delas, e você se identifica imediatamente, dizendo: “Poxa, eu adoraria falar isso em alguma situação que eu já vivi”. Elas dão a importância real dessas personagens tentando sair dos estereótipos. Cada vez mais a gente quer se ver retratada numa obra, quer se enxergar e isso está acontecendo através da mão dessas mulheres.
Como acha que seria a vida das mulheres se alguns desses filtros não existissem? Acha que teríamos mais espaço ou mais voz? Eu acho que depende de muita coisa. A gente vive num mundo tão violento, se falarmos qualquer coisa ou agirmos sem filtro em qualquer lugar, corremos o risco de sofrer uma violência. Acho que não é uma questão de filtro, é uma questão da sociedade que anda doente. Nós temos ganhado cada vez mais espaço porque a gente está perdendo o medo de falar. Isso é fato, mas o mundo é bem perigoso ao mesmo tempo. Para quem é uma pessoa totalmente sem filtro como a Bia, que vai desbravando e falando o que ela pensa no momento que ela pensa sem pensar nas consequências, é super perigoso. Então o que mais me pega é a questão da violência mesmo, porque hoje em dia você sai de casa e tudo te faz querer perder o filtro. As pessoas têm essa mania de achar que vivem sozinhas no mundo e isso é terrível. O filme é uma fábula, não deixa de ser um retrato da realidade, mas a Bia pelo menos perde o filtro entre as pessoas que ela conhece. Tem muitas camadas para a gente pensar e nem sempre as pessoas estão preparadas para se impor dessa maneira. Nós somos tão múltiplas, é tanta coisa que acontece com a gente diariamente. O mundo é complicado para as mulheres.
Quais outros projetos seus estão por vir? Eu vou filmar agora no segundo semestre um longa-metragem, vou lançar o DPA 4 [Os Detetives do Prédio Azul] em dezembro. E estou com os meus projetos particulares também, com peça de teatro para crianças que eu quero fazer. Temos os direitos de um livro chamado Boa Noite, Bo e estamos tentando captar o projeto para começar ano que vem. Estou mexendo uns pauzinhos aqui para roteirizar para cinema também.
Acompanhe notícias e dicas culturais nos blogs a seguir:
- Tela Plana para novidades da TV e do streaming
- O Som e a Fúria sobre artistas e lançamentos musicais
- Em Cartaz traz dicas de filmes no cinema e no streaming
- Livros para notícias sobre literatura e mercado editorial