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As emoções também passam pelo estômago, revela estudo inédito

Quantos de vocês já sentiram dor de barriga em uma semana estressante? Ou passaram dias sem conseguir ir ao banheiro antes de uma prova, de uma reunião ou de um encontro importante? Talvez até o contrário: precisaram correr para o banheiro justamente por estarem ansiosos? Essa ligação entre emoções e corpo é tão comum e fisiológica que praticamente todo mundo já passou por experiências do tipo. O que muitas vezes não se percebe é que há ciência por trás desses episódios — eles não são fruto de coincidência nem de simples “mania”.

Esse entendimento começou a ganhar força quando os pesquisadores descobriram que trilhões de bactérias que vivem em nosso intestino – a microbiota – produzem substâncias que afetam diretamente o humor e a cognição. O que acontece nessa “amizade colorida”, denominada eixo intestino-cérebro, pode ajudar a determinar se nos sentimos mais deprimidos, ansiosos ou bem-dispostos.

Quando escrevi aqui no Mens Sana sobre ultraprocessados e depressão, usei justamente esse raciocínio. Alimentos cheios de aditivos e açúcares atrapalham a microbiota e aumentam a inflamação, o que se traduz em impacto direto sobre a saúde mental. Essa linha de pesquisa agora se desenvolveu para entender também como o aparelho digestivo influencia nossas emoções.

No dia a dia, costumamos associar o estômago e o intestino ao nervosismo e à ansiedade — basta lembrar de frases como “fiquei com um nó no estômago” ou “deu frio na barriga”. Mas, até agora, quase não havia estudos científicos investigando mais profundamente essa conexão.

Uma pesquisa recém-publicada na Nature Mental Health amplia essa história ao apurar como essa sensação subjetiva lá na barriga está envolvida nas emoções e se traduz através de medidas objetivas na conversa entre o intestino e o cérebro.

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O trabalho foi liderado pela pesquisadora Leah Banellis, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, especialista em interações entre corpo e mente relacionadas a sintomas psiquiátricos, estados de consciência, divagações mentais e à interocepção — a capacidade de perceber os sinais internos do próprio organismo.

Para investigar o papel do sistema digestivo nessa engrenagem, ela e seus colegas analisaram 243 voluntários. Cada participante passou por uma bateria de testes: registros da atividade elétrica do estômago por meio do eletrogastrograma, sessões de ressonância magnética funcional para mapear a atividade cerebral e questionários detalhados sobre saúde mental e emoções. Em seguida, todas essas informações foram cruzadas com a ajuda de técnicas avançadas de aprendizado de máquina, o que permitiu aos cientistas encontrar padrões até então invisíveis.

O que essa pesquisa encontrou foi inédito: existe um acoplamento entre os ritmos elétricos do estômago e os padrões de atividade do cérebro. Em outras palavras, os dois órgãos “conversam” em termos de ritmo. E aí vem a surpresa: quanto mais forte essa coordenação, piores eram os indicadores de saúde mental.

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Mas como assim “piores”? Não aprendemos que, ao estar em sintonia com o corpo — a respiração e os batimentos cardíacos em ordem —, ganhamos recursos para regular as emoções e nos sentirmos mais saudáveis? Pois, no caso do estômago, os cientistas observaram o contrário. Pessoas cujo cérebro estava mais sincronizado com as ondas estomacais (que acontecem a cada 20 segundos, mesmo sem comida envolvida) relataram mais sintomas de ansiedade, depressão, estresse e fadiga.

Já aqueles com comunicação mais fraca apresentaram maior bem-estar e qualidade de vida. Um paradoxo instigante: nem sempre mais diálogo entre corpo e cérebro significa um resultado melhor.

Não se trata, exatamente, de o estômago “causar” ansiedade ou depressão. O que os dados sugerem é que o padrão de comunicação entre estômago e cérebro pode influenciar — para mais ou para menos — como sentimos nossas emoções. Se essa linha de pesquisa se confirmar (na ciência, tudo depende de vários estudos replicando os mesmos achados), tal sincronia poderá servir como um biomarcador objetivo de saúde mental.

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Isso significaria que, além da descrição subjetiva dos sintomas, psicólogos e médicos poderiam contar com uma medida fisiológica, obtida por aparelhos relativamente simples. O caminho abriria possibilidades tanto para diagnósticos mais precisos quanto para intervenções inovadoras — de medicamentos e alimentos que modulam o ritmo gástrico a dispositivos capazes de estimular ou regular essa comunicação.

Finalmente, o estudo de Lenah Banellis é apenas um entre muitos projetos fascinantes do Center of Functionally Integrative Neuroscience, na Dinamarca. Exemplos de estudos interessantes do grupo incluem um que mostrou que a incerteza pode intensificar a sensação de dor, mesmo sem ameaça real; outro que investigou como a música desperta emoções mais fortes em pessoas com alta sensibilidade interoceptiva; e pesquisas que exploraram o que acontece no cérebro quando a mente divaga, revelando os mecanismos por trás dos nossos devaneios espontâneos.

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), entre outros livros. Foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Colúmbia. Siga a colunista no Instagram: @ilanapinsky_

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