Essa história nós já conhecemos, mas não deixa de ser assombroso: a esquerda dá de bandeja à direita o uso das bandeiras – no plural, porque são hasteados o pavilhão britânico, conhecido como Union Jack, representando todo o Reino Unido, e o inglês, a cruz de São Jorge, vermelha sobre fundo branco. Nesse caso, a esquerda foi até adiante e câmaras municipais onde o Partido Trabalhista é majoritário mandaram simplesmente retirar bandeiras nacionais hasteadas em postes de iluminação.
Aconteceu em Birmigham, onde existe um fator adicional: quase 30% da população é muçulmana. A bandeira palestina tremulou livremente na cidade, mas na hora em que as bandeiras nacionais apareceram, as autoridades locais mandaram tirar, aumentando o clima de confronto que já existe no país inteiro: a esquerda abre os braços – e as portas de hotéis – para asilados e outros estrangeiros, a direita se mobiliza contra a chegada em massa de estrangeiros, cujas despesas de hospedagem, alimentação, internet e assistência médica são bancadas por lei.
As bandeiras, obviamente, não aparecem do nada. Existe um movimento nacional de arrecadação de fundos para comprar os pavilhões. Joseph Moulton, representante do Flag Force UK na região de York, diz que, das 300 bandeiras compradas através de contribuições, 25 foram tiradas por governos municipais e quinze por indivíduos. Ele quer disseminar um sentimento de orgulho nacional – coisa, obviamente, de direita. O lado contrário condena e até arranca bandeiras, consideradas símbolos do mal.
“As bandeiras foram hasteadas em navios que escravizaram meus antepassados e que o Exército Britânico levou para marchar em lugares como Paquistão, Índia, Bengala, África e 25% do mundo que colonizaram”, disse o professor universitário Kehinde Andrews, resumindo o ódio da esquerda pela Union Jack e a Cruz de São Jorge, como se acontecimentos do passado fossem vistos exatamente da mesma forma no presente.
SENTIMENTO DE REVOLTA
Obviamente, é um absurdo. Ninguém pode ignorar a história do colonialismo britânico, com seus abusos, mas também com aspectos positivos, como a disseminação de formas de governo participativo, separação entre poderes e estado de direito. Os cidadãos britânicos que levantam as bandeiras querem se orgulhar do lado bom e deixar o ruim nos livros de história. Mas também são influenciados por acontecimentos do presente, principalmente a chegada em massa de imigrantes clandestinos que atravessam o Canal da Mancha em botes de borracha e são recebidos com benefícios obrigatórios por lei, como a hospedagem em hotéis de cidades pequenas.
Centenas de estrangeiros jovens vivendo sem fazer nada, bancados pelos cofres públicos, obviamente mudam o sistema de vida desses locais – e alguns abusam, com avanços sexuais sobre mulheres cujo estilo de vida independente muitas vezes nunca tinham visto em lugares como Afeganistão e Eritreia.
Na semana passada, o conselho administrativo, equivalente a uma câmara de vereadores, de Epping conseguiu na justiça o direito de fechar um desses hotéis para asilados. Outros dezoito conselhos decidiram tentar a mesma coisa – alguns deles controlados pela esquerda trabalhista.
A questão da imigração clandestina – ou irregular, visto que tudo é feito às claras, sem esconder nada – é um dos principais temas políticos do Reino Unido, da mesma forma que em outros países europeus.
Por causa do sentimento de revolta que o sistema provoca, a esquerda arranca bandeiras, mas quem ganha votos é a direita. E não a direita convencional, representada pelo Partido Conservador, que esteve no poder e não fez nada para alterar “os botes”, como é universalmente conhecido o meio de acesso irregular às ilhas britânicas.
JUSTIÇA DESEQUILIBRADA
Quem cresce é o partido Reforma, uma criação recente de Nigel Farage, o populista que ganhou projeção nacional por sua campanha pelo Brexit. Se houvesse eleições hoje, o Reforma elegeria nada menos que 271 membros do Parlamento, um resultado estarrecedor que desbancaria o Partido Trabalhista (que ficaria com 178 lugares) e praticamente varreria do mapa os conservadores (com apenas 46 eleitos).
Seria um verdadeiro terremoto, uma mudança de placas tectônicas como poucas vezes se viu num sistema que foi evoluindo gradualmente, sem mudanças radicais, ao longo dos séculos.
As massas estão, evidentemente, com raiva dos políticos tradicionais e a questão dos hotéis para imigrantes pode se alastrar, com manifestantes contra e a favor.
Os que são contra, sentem que o sistema funciona contra eles e até que a justiça tem dois pesos e duas medidas. Um para a esquerda, como representado pela absolvição de um vereador que pediu publicamente a decapitação de manifestantes contra a imigração; outro para a direita, como no caso de Lucy Connolly, que cumpriu um ano de cadeia por uma postagem em que defendia a violência contra imigrantes clandestinos.
ÍDOLO DA DIREITA
Lucy virou uma espécie de “mulher do batom” da Inglaterra, um exemplo da desproporcionalidade de penas quando os punidos, merecidamente, mas com um rigor que soa a injustiça, são de direita. Lucy foi condenada a dois anos e sete meses de prisão e saiu agora, com cumprimento de 40% da pena, e já virou um ídolo de direita.
Tendo trabalhado como cuidadora de crianças, ela agora planeja se reunir com representantes do governo americano para tratar de temas ligados à liberdade de expressão. Um salto tremendo.
As questões envolvidas não são de fácil solução. Não existe na Europa um sistema presidencialista forte como o em vigor nos Estados Unidos, onde Donald Trump conseguiu interromper drasticamente o trânsito de clandestinos, mesmo que com exageros e injustiças. Nigel Farage disse que tem um plano de deportação em massa, se e quanto se tornar primeiro-ministro. Deportar para onde? Para os países de onde vieram, como Afeganistão e Eritreia. Não é nada difícil imaginar a batalha jurídica que isso desencadearia.
Também não está no universo das possibilidades um grande crescimento da economia que absorvesse os imigrantes e beneficiasse o conjunto da população, diminuindo os atritos.
Não faltará desejo de hastear bandeiras nacionais para expressar insatisfação com uma situação em que muitos se sentem invadidos e riscados do discurso público – e planejam nada secretamente votar no Reforma. A previsão é de eleição geral apenas em 2029, mas o mundo em que estas previsões eram certeza de que aconteceriam está deixando de existir.