Foi Christian Dior (1905-1957) quem resumiu em uma frase a ligação visceral entre a moda e a natureza: “Depois da mulher, as flores são as criações mais divinas”. Com essa ideia em mente, o estilista francês as utilizou como tema central em muitas de suas coleções, incorporando bordados e detalhes que remetiam a jardins e buquês. O sucesso das estampas florais, que acabou se espalhando na alta-costura durante a primeira metade do século XX, influenciou diretamente o modo como as mulheres passaram a se vestir no dia a dia.
Uma exposição na França, Christian Dior: Jardins Rêvés, revisita o legado floral da grife em um arco temporal que se estende de 1905 até a atualidade. Em um cenário rodeado por cerejeiras e campos de lavanda que parecem ter saído diretamente dos sonhos do estilista, o museu da Savannah College of Art and Design (SCAD) em Lacoste, no coração da Provença francesa, mostra como as flores sempre permearam a vida e o trabalho do gênio francês, inspirado pelas memórias de sua infância em Grainville, pequena cidade litorânea.

São cerca de trinta silhuetas de alta-costura, mais de sessenta acessórios, perfumes emblemáticos, croquis originais de Dior e ilustrações do célebre colaborador René Gruau. Essa ligação entre o pano e a flora atravessou gerações de diretores criativos da maison, como Yves Saint Laurent, Marc Bohan, Gianfranco Ferré, John Galliano, Raf Simons e Maria Grazia Chiuri, todos reinterpretando as estampas como metáfora de feminilidade, elegância, beleza e transformação. “Quando Dior morreu, em 1957, as flores se tornaram uma das inspirações mais proeminentes para seus sucessores, os quais teceram, cada um, sua própria linguagem floral”, diz Hélène Starkman, diretora de projetos culturais da Christian Dior Couture. O estilista, na verdade, apenas ressuscitou o que antes era exclusividade da alta sociedade e que, no século XIX, ganhou impulso pela produção em massa de tecidos primaveris e outonais.
A democratização das estampas coloridas ganhou força particular nos anos 1960 e 1970, quando o movimento hippie popularizou os vestidos florais como símbolo de paz e liberdade, apresentando motivos alegres em tecidos leves. Atualmente, as flores tornaram-se peça versátil e atemporal no guarda-roupa feminino, oferecendo uma variedade de estilos que se adaptam a diferentes ocasiões e personalidades. Essa popularidade persistente deve-se à capacidade única das estampas florais de evocar sentimentos de leveza, romantismo e, reafirme-se, conexão com a natureza.

Ao longo do tempo, as flores continuam inspirando marcas que as levam para suas passarelas. Dolce & Gabbana fez das rosas um emblema da paixão italiana, enquanto Carolina Herrera as traduz em sofisticação leve. Até mesmo a rebelde Vivienne Westwood ressignificou a delicadeza botânica em tons punk, provando a versatilidade do motivo. Outros nomes, como Alexander McQueen, Erdem e Dries Van Noten, também reforçam que a moda segue cultivando jardins inesgotáveis de inspiração. No universo das celebridades, exemplos como Scarlett Johansson — com seu emblemático vestido de Oscar de La Renta no tapete vermelho — e Sarah Jessica Parker, que usava e abusava dessas estampas em Sex and The City, demonstram como a vegetação transcendeu as passarelas para se tornar linguagem universal de estilo.
Flores são mais do que tendência passageira. São metáfora do próprio fazer da moda — cíclico, mutável, capaz de renascer a cada estação sem perder sua essência. A exposição da Dior na França, em cartaz até 28 de setembro, traduz essa filosofia em cada detalhe, do papel cortado que simula pétalas aos perfumes que evocam campos inteiros. É inspiração que não apenas se vê, mas se respira. Se Dior via nas flores uma tradução da beleza feminina, a moda contemporânea confirma que elas representam também linguagem perene de resistência e constante reinvenção. Como em um eterno desabrochar, cada estampa floral funciona como lembrete de que, mesmo diante do efêmero, do fim, a moda sempre encontrará uma forma de continuar florescendo a cada nova estação.
Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958