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Sugestões para a estratégia do Brasil no complexo ambiente internacional

Quando iniciei a carreira como engenheiro agrônomo, há quase 35 anos, o Brasil era importador de alimentos. Hoje, o agro exporta distintos produtos para mais de uma centena de países, contribuindo nutricionalmente para quase 1 bilhão de pessoas, segundo estimativas da Embrapa. Atingimos a liderança no comércio global em 9 cadeias produtivas, com participações de mercado impressionantes e crescentes a cada ano.

Apenas nas últimas 6 safras, impulsionados pelo crescimento do consumo mundial, os produtores brasileiros agregaram 18 milhões de hectares de grãos, uma impressionante média de 3 milhões de novos hectares produtivos por ano, trazendo o Brasil para uma participação aproximada de 60% no comércio mundial de soja e 30% no de milho, puxando também as carnes, nas quais atingimos quase 35% do comércio de carne de frango, 25% de carne bovina e 15% na carne suína.

A questão que fica é sobre os próximos 10 anos. Conseguirá o agro brasileiro manter esta velocidade de crescimento e avanço em participações nos mercados internacionais neste cenário geopolítico global com grandes transformações e maior complexidade?

Primeiro fato a se analisar é que não adianta a produção crescer acima da demanda global, pois isto aumenta estoques, derruba os preços e margens, e compromete a sustentabilidade econômica da produção. Analisando o crescimento da demanda global em dois dos nossos principais alimentos, o milho e a soja, temos dados interessantes. Nos últimos 10 anos, o consumo mundial de milho foi de 1,02 para 1,28 bilhão de toneladas por ano. Neste período, a produção precisou crescer 27,3 mi de t a cada ano para manter o equilíbrio com a demanda. No caso da soja, em dez anos, o consumo mundial vai de 317 para 425 mi de t anuais, um aumento de 11 mi de t consumidas por ano. O que intriga é que se forem separados apenas os últimos 3 anos, o consumo de milho aumentou 37 mi de t/ano e o de soja 19 mi de t/ano. A pergunta que fica é: qual será a média anual de crescimento de 2025 a 2035? A dos últimos 10 anos, um pouco menor, ou a dos últimos 3 anos?

O fato é que a população mundial segue crescendo, se urbanizando, com mais renda, temos ainda imenso contingente de pessoas que não tem renda para consumir o que desejariam, abdicando principalmente das carnes; e os milhões que triste e inaceitavelmente ainda passam fome em 2025. Por outro lado, temos o avanço de um arcabouço regulatório nos países que vem fortalecendo o uso de biocombustíveis, aumentando as misturas para automóveis, caminhões, ônibus, aviões, navios e outros motores, além da energia elétrica, demandando grãos e outras matérias primas vindas da produção agrícola ou seus subprodutos. A demanda seguirá crescendo.

Entretanto, na última década, tivemos um ambiente bem mais complexo, especialmente nos últimos anos, o que faz os negócios mais perigosos, delicados e imprevisíveis. Venho chamando estes tempos de “3 V’s”, o período de: variação violenta das variáveis.

Mas, afinal, quais seriam estas variáveis que tornam o comércio global e a expansão brasileira mais complexa nos próximos 10 anos?

a) Adversidades climáticas, pandemias e doenças, ameaças diretas para o setor que é uma fábrica a céu aberto;

b) Fatores políticos e econômicos que influenciam as trocas e a produção;

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c) Conflitos e guerras que impactam a produção, o transporte e o comércio de insumos e alimentos;

d) Extremismos e fatores ligados à religião, migrações e outros;

e) Alterações em legislações/regulações nos âmbitos tributário, tarifário, trabalhista, ambiental, de informações e relacionado a pesquisa e desenvolvimento. Aqui destacam-se as regulações na área de bioenergia e de segurança alimentar;

f) Perda de relevância dos órgãos globais de fomento ao comercio e a paz, dificultando a coordenação;

g) Movimentos globais de consumidores, organizações não governamentais e outros;

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h) Maior velocidade de inovações tecnológicas e de negócios criando soluções e disrupções;

i) Incrível expansão da velocidade na criação e no fluxo de informações, com o advento das mídias sociais, grupos de discussões e outros, que funcionam sempre agravando a “variação das variáveis”, pois muitas vezes são tomadas reações de momento exageradas, impulsionadas por “escândalos virtuais/digitais”.

Estas são muitas das variáveis que complicam o entendimento do processo global de trocas que, na minha leitura, estarão presentes nos próximos 10 anos, variando no mínimo com a mesma intensidade.

O problema no agro é que os impactos destas variáveis incontroláveis acabam sendo maiores que em outros setores. E quais as razões para serem maiores?

Existem características inerentes às cadeias agroalimentares globais que demonstram sua maior fragilidade. A produção é influenciada pelo clima e atacada por pragas e doenças. Alimentos são perecíveis e muitos percorrem milhares de quilômetros desde a colheita até a mesa do consumidor final, exigindo transportes especiais como as cadeias a frio que requerem pesados investimentos, eficiência na logística, gestão de fretes e estoques. Muitos destes produtos são pesados, volumosos e “viajam” em navios e contêineres, outro ponto delicado que demanda equilíbrio e planejamento.

Para viabilizar a produção, diversos insumos são importados pelos países. Muitos produtos levam tempo desde a decisão de aumento da produção até que fiquem prontos para consumo, a maturação entre os investimentos e o retorno pode ser demorado. Como exemplos: café, cacau e laranja levam 3 anos; açúcar, 1 ano; celulose, 7 anos; e assim vai. A produção de alimentos usa muitos recursos naturais e está sujeita a escassez e questões ambientais.

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Por fim, alimento é um bem sensível e de consumo diário, o mais importante na população, e qualquer problema que traga inflação nos preços e escassez pode desencadear movimentos de protestos e até de ameaças à democracia em países, aumentado as preocupações em depender de importações e fomentando políticas de produção local ou produção garantida, via investimentos internacionais.

Para concluir, neste quadro complexo que teremos nos próximos anos, quais as estratégias visando manter seu nosso crescimento e a conquista de mercados internacionais?

Precisamos adotar estratégias diferenciadas, criativas e eficazes para seguir vencendo. A postura deve ser a de “voar abaixo do radar”, fornecendo alimentos acessíveis, seguros, sustentáveis e confiáveis para todos. A imagem deve ser fortalecida em uma diplomacia pragmática, pró negócios, não ideológica, com postura de neutralidade em conflitos distantes e de não intromissão em confusões que não são nossas.

Não devemos liderar movimentos contrários aos interesses dos maiores e mais fortes países, fazer declarações ofensivas a líderes globais, ou outros gestos. Cada declaração e cada movimento deve ser cirurgicamente pensado se vai contribuir para o objetivo central. A soberania do Brasil não é conquistada na voz, na reação, no conflito. A soberania é conquistada com o aumento da produção, das exportações, do desenvolvimento econômico e social e da criação de oportunidades de trabalho às pessoas. Quem fornece comida para o planeta deve se comportar e ser visto como… “um Padre”. Padre esperto e pragmático.

É essencial ampliar e diversificar as fontes de suprimento dos insumos usados pela produção brasileira, aumentar a produção local, atrair cada vez mais as empresas compradoras internacionais para investimentos diretos visando garantir seu abastecimento, como se observa com a entrada de fundos soberanos árabes, empresas asiáticas, entre outras, em participações acionárias de empresas brasileiras. Isto deve ser ampliado, pois estas são parceiras em eventuais negociações com seus países caso o ambiente de negócios se deteriore. Fortalecer a logística, a infraestrutura, a armazenagem e principalmente fortalecer os serviços, tendo estoques em proximidade dos grandes clientes internacionais, garantindo segurança, soluções de transporte e armazenagem. Fortalecer a aglutinação via cooperativismo, que já é imenso sucesso no Brasil, e fortalecer seus tentáculos internacionais. Comprar do Brasil deve ser visto como algo seguro e garantido.

Sempre buscar a ampliação da linha de produtos na direção da agregação de valor. Quanto aos destinos, a solução está em ampliar a rede de países e mercados compradores, estreitando relações. Fortalecer o desenvolvimento de mercado (por meio de órgãos como a APEX) e desenvolver sistemas de inteligência sofisticados para monitorar novas oportunidades, alterações de legislações, regras e tendências ocorrendo em cada país, num esforço público integrado com o privado, via a importante rede de associações setoriais das cadeias produtivas. Ter estratégias de negociação que antecipem problemas com planos que tragam ações rápidas a cada novo fato. O recente episódio do tarifaço e o nosso despreparo na comunicação e na negociação mostra a importância disto, podendo ser usado como aprendizado para eventos futuros.

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O futuro é desafiador, mas é também promissor.

O desafio agora será maior. Em um cenário de mudanças rápidas e cadeias globais integradas e com grandes fragilidades, nosso papel é o de se posicionar como fonte segura e sustentável de alimentos, bioenergia e outros agroprodutos para o mundo. Mais do que exportar grãos, carnes ou fibras, o Brasil deve exportar segurança alimentar para seus compradores, promovendo um futuro equilibrado, cooperativo e sustentável.

Cultivamos hoje 82 milhões de hectares de grãos. Mesmo em situação de preços desafiadores, ampliamos 2 milhões da última safra para esta. Aumentamos a produção de biocombustíveis com a expansão do etanol de milho e sorgo e processamento de oleaginosas, principalmente a soja. Este movimento tem levado a um empoderamento energético do interior do país, e com as produções de farelo (de soja e DDG no caso do milho), impulsionamos a produção de carnes, contribuindo para a agregação de valor num processo que chamo de “carnificação do agro”. A produção animal leva ao aumento da produção de biogás e biometano, além de fertilizantes à partir dos dejetos, num modelo de agricultura circular e sustentável. Temos tecnologias para cada vez mais praticar uma agricultura de baixo carbono.

É possível se chegar a 100 milhões de hectares em 10 anos, com esta produção adicional cabendo na expansão da demanda mundial. Este aumento de área pode ser feito sem ocupar um novo hectare sequer, basta converter áreas de pastagens aptas sem comprometer a produção bovina e aumentar a tecnologia para segunda safra (uso da mesma área para uma segunda lavoura, no mesmo ano). O Brasil tem como atingir, em 10 anos, 66% do mercado mundial de soja, 35% de milho, 35% de algodão, 40% de carne de frango, 30% de carne bovina e 20% de carne suína, além dos outros produtos.

Um cálculo rápido mostra que esta expansão de área levará a investimentos adicionais, apenas no elo agrícola, de R$ 580 bilhões nos próximos 10 anos, a valores de hoje. Fico imaginando a movimentação que estes investimentos farão nos elos antes da porteira e depois da porteira, nos negócios das cidades, desde pizzarias a academias, na geração de empregos, renda e impostos. Na minha humilde visão, defender e desenvolver soberania não é na voz, no conflito, mas sim nas ações para facilitar e promover estes investimentos, fortalecendo os negócios no país e melhorando a vida das pessoas pelas oportunidades a elas criadas.

Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em doutoragro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.

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