No universo da enogastronomia, a harmonização, que é a combinação de alimentos com vinhos, é uma arte repleta de nuances. Algumas combinações podem ser feitas por semelhança para realçar ainda mais o sabor de um alimento, O negócio funciona também por contraste, quando se usam características inversas. Exemplo: pratos picantes suavizados com vinhos com leve residual de açúcar (isso reduz a sensação de calor).
Quando o encontro do vinho e alimento é bem acertado, a refeição ganha outro patamar, elevando a experiência. Quando é equivocada, ela pode causar desastres gastronômicos. Nada mais destruidor do que a combinação de Malbec com sushi, na qual os taninos do vinho tinto combinados ao iodo do pescado causam uma reação química que traz na boca uma sensação metalizada.
Há outro erro clássico, repetido por anos, mas que agora com a entrada do vinho branco na mesa dos brasileiros passou a ser desmistificada: tintos e queijos. Recentemente, recebi o telefonema de uma médica dizendo que iria levar uns amigos para Campos do Jordão, no interior de São Paulo, para um fondue de queijo. Orgulhosamente, ela me contou que havia escolhido um Barolo para o ocasião. Sem dúvida, um grande vinho, feito da uva Nebbiolo, que normalmente passa por envelhecimento em barris de carvalho. Ele é potente, encorpado e, dependendo do tempo em barril, vem com notas de couro, cacau, tabaco e especiarias. Trata-se de uma receita que certamente resultará em uma catástrofe gastronômica se combinada com a mescla de queijos cremosos do fondue.
Minha sugestão a essa médica foi para que ela escolhesse, no lugar do Barolo, um branco, com fresco e acidez. São qualidades que ajudam a cortar a cremosidade e a gordura inerentes aos queijos, proporcionando uma experiência mais equilibrada. Enquanto os brancos trazem leveza e frescor, os tintos, com seus taninos marcantes, podem resultar em uma sensação adstringente desagradável, especialmente com queijos frescos e cremosos.
Além disso, os perfis de sabor dos vinhos brancos, que incluem notas cítricas e frutadas, complementam a complexidade aromática dos queijos, sem sobrecarregar o paladar. Harmonia difícil de se alcançar com os tintos, cujas notas profundas e amadeiradas tendem a competir com os sabores dos queijos.
Portanto, quando o assunto é queijo, a regra de ouro é: vá de branco. Do queijo de cabra aos maturados, como o brie e o camembert, a combinação certa é com os vinhos brancos . Quer surpreender? Abra um espumante com um queijo mais untuoso (com mais gordura). A sensação em boca é de sucesso absoluto. As bolhinhas vão limpando o palato e convidam à próxima bocada. Uma delícia.
Portanto, ao montar uma tábua de queijos na próxima reunião, considere incluir Sauvignon Blanc, Chardonnay, Vermentino, Pecorino, Riesling, Arinto, Alvarinho… As opções são muitas. A combinação surpreendente promete conquistar paladares e transformar a degustação em uma experiência mais harmônica e prazerosa.
Agora, se você faz questão de tinto, escolha um leve, de preferência que não envelheça em madeira, como Pinot Noir, Montepulciano (vinificado no cimento) ou Gamay, por exemplo. Claro, a escolha é sempre sua, assim como os riscos.
Já cansei de ver gente chamar o garçom para avisar que o vinho estava estragado ou que a comida estava esquisita. Em boa parte dos casos, pode acreditar, a culpa foi da harmonização — ou melhor, da falta dela.