Em breve teremos deixado para trás os dias gelados e nos encontraremos na primavera. Mas, mesmo antes de a estação das flores começar, uma das espécies mais exuberantes já começa a dar as caras nas prateleiras de supermercados: a alcachofra. Sim, isso mesmo. O que comemos dela é o botão ainda por abrir que, se deixado no pé, desabrocha em uma grande flor roxa.
Originária da região do Mediterrâneo, possivelmente da Sicília, ela é da família dos cardos, uma planta silvestre, nem sempre comestível. Alguns tipos, porém, já eram consumidos pelos romanos. Talvez por isso alguém percebeu que aquela variedade também poderia ir para a mesa e acabou descobrindo o sabor de suas folhas e de seu centro, ou “coração”, onde elas se ancoram.
Para a ciência, ela tem nome de mulher: pertence ao gênero Cynara. A origem da denominação está em um mito grego, segundo o qual Zeus, apaixonado por uma mortal, fez dela uma deusa e a levou para viver no Olimpo. Ela, no entanto, sentia saudades da mãe e escapava escondida para visitar a família. Quando Zeus descobriu as fugas, teve um ataque de fúria e transformou Cynara numa planta espinhosa, mas de coração macio.
Depois da queda do Império Romano, o gosto pela alcachofra declinou. Os árabes, porém, mantiveram seu cultivo e a devolveram ao resto do mundo, através da Espanha, onde virou “alcachofa” (com só um “r” de diferença para nosso português). No sul da Itália, o nome oriental perdeu o “al”, dando no “carciofo” atual. No norte do país, virou “articiocco”, forma que viajou para França (“artichaut”) e Inglaterra (“artichoke”).
Desde então, come-se a alcachofra de várias maneiras: cozida e servida inteira, recheada ou não; crua em saladas; conservada em óleo ou salmoura; ou ainda frita, como nos clássicos “carciofi alla giudia”, uma especialidade que atrai muitos visitantes ao bairro judaico de Roma. Em alguns desses preparos, ela é mais complicada de comer, mas eu gosto muito de fazer um canapé no qual o fundo da alcachofra faz as vezes de uma torrada, servindo de base a grãos de soja.
Ao longo dos séculos, a alcachofra ganhou fama de afrodisíaca. Ela é um dos vários elementos que a italiana Catarina de Médici introduziu na gastronomia da França quando lá reinou, no século 16. Seu entusiasmo ao comer a flor, que mandava vir da Itália, provocava murmúrios na corte – metaforicamente, dizia-se que a alcachofra “aquecia o sangue”. Em alguns conventos, eram até proibidas, para não inflamar tentações.
Mas o atributo mais persistente da alcachofra é o digestivo. Rica em compostos amargos, ela estimula a produção de bile e ainda hoje aparece, ao lado de outras plantas, em suplementos como a “alcachofra composta”, vendida para aliviar o fígado e ajudar na digestão. Já no século 20, a tradição medicinal se encontrou de forma curiosa com o licor italiano Cynar: feito de alcachofra e outras ervas, apresentava-se como protetor do fígado, algo irônico para uma bebida alcoólica.
Da próxima vez que você se deparar com uma bela alcachofra, pense que o mais poderoso dos deuses gregos não conseguiu chegar ao coração de Cynara. Mas você pode – e ainda se deliciar degustando as folhas no caminho até ele.