Como jornalista, trabalho há décadas na área social e já cheguei a atuar como diretora voluntária de uma organização da sociedade civil (OSC) com foco em saúde pública em São Paulo. Sei, por experiência própria, da importância – cada vez maior – das doações para a sustentabilidade dessas instituições.
A nova edição da Pesquisa Doação Brasil 2024, coordenada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), lançada na quarta-feira (6/8), desenha um cenário que precisa ser visto com atenção e preocupação redobradas.
“A escolha das causas para doar sofreu uma reviravolta nos últimos dois anos. Muitas causas tradicionalmente relevantes, como crianças/causa infantil, saúde e combate à fome, registraram queda”, aponta o levantamento.
As doações de pessoas físicas para crianças/causa infantil tiveram a maior queda no período. Recuaram de 46% para 32% entre 2022 e 2024. Doações para o combate à fome também sofreram uma redução importante, passando de 29%, em 2022, para 21%, em 2024. Já saúde caiu de 30% para 26%.
A retração no percentual de doações para organizações que atuam com saúde e infância ocorre em meio a outro fenômeno: o crescimento das contribuições para situações emergenciais, que passaram de 13%, em 2022, para 30%, em 2024, ano marcado por enchentes, incêndios e secas em diversas regiões do país.
“Mesmo com mais recursos circulando, as prioridades estão mudando – e isso pode ter um alto custo social”, alerta a newsletter Impacto e Transformação do Hospital Pequeno Príncipe, uma instituição filantrópica centenária com sede em Curitiba que é referência na área de pediatria.
NÚMERO DE DOADORES TAMBÉM CAIU
O percentual de brasileiros que fizeram algum tipo de doação (de dinheiro, bens ou tempo) também caiu. Foi de 84%, em 2022, para 78% da população adulta, patamar similar ao visto na primeira edição da pesquisa, em 2015.
Entre os motivos apontados pelo relatório estão o chamado “crescimento do comportamento cauteloso”. As pessoas pensam mais antes de doar. A maioria dos doadores afirma escolher com cuidado a causa (86%) e buscar informações antes de doar (83%, um crescimento de 8 pontos percentuais de 2022 para 2024). Quase metade deles (49%) já deixou de doar após notícias negativas sobre o assunto na mídia.
Apesar da redução na base geral de doadores, o comportamento daqueles que seguem como doadores institucionais mostra, segundo o levantamento, sinais importantes de evolução: a mediana do valor doado anualmente subiu de R$ 300, em 2022, para R$ 480 em 2024. Em consequência, o total doado em 2024, atingiu R$ 24,3 bilhões, o que representa um crescimento de 64% em relação a 2022, já considerando a correção inflacionária. Esse é o maior volume de doação de dinheiro registrado desde a primeira edição da pesquisa, há dez anos.
Outra boa notícia é que 59% dos doadores emergenciais declararam acompanhar o trabalho da ONG para a qual doaram e 66% disseram que pretendem manter a doação de dinheiro.
Além disso, mais da metade (55%) dos doadores fez doações para emergências em outros estados do Brasil, não apenas no que reside. O número é ainda maior entre doadores de dinheiro, chegando a 60%.
A pesquisa mostra, com números, o quanto o brasileiro é solidário, especialmente nas emergências. Mas também chama a atenção para uma diminuição importante do apoio a causas estruturantes, como saúde e infância, que merece atenção pelo impacto que pode ter para as nossas crianças.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.