Celebra-se como troféu, no cinema, em séries de televisão e livros, a descoberta de uma criança ou adolescente superdotado — pessoas capazes de destrinchar equações intrincadas, soletrar longas palavras e elencar os países do mapa-múndi como quem soma dois e dois. Os geniozinhos, as mentes brilhantes, foram quase sempre tratados pelas famílias como dádiva, e aplaudir um QI alto, de 130 pontos para cima, representaria ganhar na loteria. Pesquisas recentes, somadas a olhar mais cuidadoso, começam a reverter parte dessa percepção, e o que seria benesse pode vir a se transformar em desafio, ou mesmo fragilidade e um problema.
Uma clássica pesquisa americana, o “estudo genético dos gênios”, como foi chamado, desses que acompanham os investigados ao longo de dezenas de anos, foi sempre a âncora para levar ao topo os muito inteligentes. A partir da década de 1920, houve o acompanhamento de 1 521 crianças superdotadas. Na década de 1950, portanto trinta anos depois, dois terços delas haviam se formado na faculdade, número dez vezes maior do que a população em geral. Em 1954, os homens do grupo que ocupavam cargos burocráticos em escritórios ganhavam, em média, 10 556 dólares por ano, valor exponencialmente superior aos cerca de 5 800 anuais de pares fora do espectro da genialidade. Sucessivos levantamentos, década após década, confirmaram aquele levantamento ancestral. Houve, contudo, mais recentemente, tropeções, com trabalhos que mostraram o óbvio: sensatez é a regra, e para cada resultado científico constatando a grandeza dos precoces há outro para desmenti-lo.

Em 2019, uma equipe de Nashville, nos Estados Unidos, analisou a trilha de 677 pessoas com destaque intelectual. Algo em torno de 12% tinham alcançado sucesso profissional aos 50 anos — o que significa dizer que 88% não chegaram lá. Um estudo de 2025 publicado no periódico Archives of Neuropsychiatry vai direto ao ponto: os superdotados correm mais risco de apresentar problemas de saúde mental, como depressão. E agora? A exuberância de competências cognitivas (de 5% a 10% da população mundial é dessa turma, a depender do rastreamento) pode ser um fardo.
O superdotado sente o peso de, invariavelmente, estar à frente da própria idade e acumular dilemas e reflexões próprios de uma maturidade que ainda não chegou. Chegar à fase adulta sem a compreensão desse estado também pode ser um nó, como recentemente se descobriu com o drama do humorista Whindersson Nunes, cuja internação por dependência de álcool terminaria por revelar suas altas habilidades. A falta de cuidado com elas é o que levaria ao desarranjo de agora? Evidentemente, não há como estabelecer associação direta entre o alcoolismo e os obstáculos de um QI superlativo, mas o tema foi posto à mesa — e, claro, viralizou nas redes sociais, a ágora onde tudo acontece. “As pessoas nascem com essa predisposição. Em interação com o ambiente, sendo estimuladas e orientadas, têm condições de desenvolver algum potencial”, diz a psicóloga Denise Arantes-Brero, diretora do Núcleo Paulista de Atenção à Superdotação.
Acompanhar de perto possíveis mudanças de comportamento, por vezes sutis, pode iluminar o caminho. Foi o que ocorreu com a empresária Priscila Manni Gomide, que percebeu o desconforto da filha de 7 anos na escola, por sentir-se diferente das amigas e com reflexões avançadas para a tenra idade. Hoje ela tem 9 anos, “diagnosticada” (não é uma doença) dentro do perfil de altas habilidades. “É uma cabeça lá na frente para um corpinho que não sustenta o que está vivendo”, afirma Priscila. A busca incessante por conhecimento sobre o tema a levou a fazer contato com especialistas brasileiros e do exterior. Do conjunto de informações, Priscila lançou a plataforma Gifted Brasil — referência à terminologia em inglês para a condição — com um mapa de profissionais que podem ajudar pessoas a compreender o quadro, ainda tão enigmático. Deve-se procurar, simultaneamente, o fim de toda pressão e evitar o esperado tédio de quem anda um pouco acima da platitude. O nome do jogo é compreensão associada a carinho, e nada de sair festejando, por festejar, um QI extraclasse.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956