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‘Síndrome do coração partido’: estresse, como desilusão amorosa, pode causar quadro tão grave quanto infarto

Nos anos 1990, cardiologistas no Japão começaram a perceber algo curioso: alguns pacientes chegavam ao hospital com sintomas parecidos com os de um infarto, mas, ao examinar as artérias do coração, não encontravam obstruções, que são a causa mais comum de ataques cardíacos. Ao analisar imagens do coração desses pacientes, notaram um formato diferente, que lembrava uma armadilha tradicional usada para capturar polvos, chamada takotsubo (tako = polvo, tsubo = pote). Foi assim que nasceu o nome da condição: Cardiomiopatia de Takotsubo.

Aqui no Brasil, ela ganhou até apelido: Síndrome do Coração Partido. Isso porque, com o avanço das pesquisas, descobriu-se que essa síndrome costuma surgir após um evento emocional muito intenso — geralmente triste ou estressante — como a perda de alguém querido, o fim de um relacionamento ou outros choques tão fortes que conseguem impactar o funcionamento do coração.

“A fisiopatologia dessa conexão entre cérebro e coração ainda é um mistério, mas o conhecimento sobre ela vem se acumulando ao longo do tempo”, disse o cardiologista Antônio Aurélio Fagundes, coordenador da UTI geral do Hospital DFStar, durante o Congresso Internacional de Cardiologia da Rede D’Or 2025.

O que se entende até agora é que esse choque emocional provoca uma reação exagerada do sistema nervoso, com liberação intensa de catecolaminas, substâncias como adrenalina e noradrenalina. Essa descarga excessiva gera um efeito temporário e tóxico no músculo cardíaco, especialmente no ventrículo esquerdo.

Como consequência, a parte apical desse ventrículo — a ponta do coração, fundamental para bombear sangue oxigenado ao corpo — perde a capacidade de se contrair adequadamente, ficando paralisada ou muito pouco ativa. Enquanto isso, as regiões próximas à base continuam funcionando normalmente. É essa combinação que altera o formato do coração, fazendo com que, nas imagens dos exames, a ponta apareça dilatada, parecendo um “balão”.

Quais são os sintomas?

A confusão geralmente acontece porque os sintomas são muito semelhantes a de um infarto: dor no peito em 75% dos casos, falta de ar, taquicardia, e em situações mais graves, choque cardiogênico, um quadro crítico em que o coração não consegue bombear sangue suficiente. “No exame físico, o paciente pode estar angustiado, com taquicardia, sinais de congestão pulmonar e sopros cardíacos — sons anormais causados pelo fluxo turbulento do sangue dentro do coração, causados pela obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo”, explicou Fagundes.

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No eletrocardiograma, é comum ver mudanças que parecem um infarto, como alterações nas ondas que mostram a atividade elétrica do coração. Uma dessas mudanças é a inversão das ondas T, que aparecem “de cabeça para baixo”. Outra é o prolongamento do intervalo QT, que indica que o coração está mais vulnerável a batimentos irregulares e perigosos, especialmente nos primeiros dois a três dias após o problema.

De acordo com o especialista, a síndrome é mais comum em mulheres entre 50 e 70 anos, representando cerca de 2 a 3% dos casos que chegam com sintomas parecidos com os de um infarto. Já entre pessoas com menos de 50 anos, os homens correspondem a cerca de metade dos casos, e geralmente apresentam quadros mais graves. Um estudo de 2018 mostrou que, naquela época, a incidência era de 15 a 30 casos para cada 100 mil pessoas – número que provavelmente aumentou desde então.

Além disso, fatores como transtornos psiquiátricos (como depressão), doenças neurológicas e histórico familiar também influenciam o risco. É comum pacientes relatarem que parentes já passaram pelo mesmo problema. “O número de casos continua a crescer porque os estresses do dia a dia e os problemas emocionais também aumentam, assim como a capacidade dos médicos de diagnosticar a síndrome, à medida que ela se torna mais conhecida”, explica o médico.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito a partir dos sintomas do paciente, junto com exames de imagem e de sangue. No ecocardiograma, que é o ultrassom do coração, aparece o inchaço típico do ventrículo. Já a coronariografia, que é um exame para ver as artérias do coração, normalmente mostra que elas não estão bloqueadas, o que ajuda a diferenciar essa síndrome do infarto.

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De todos, a ressonância magnética, que faz a imagem do coração, é o exame mais preciso para separar a Síndrome Takotsubo de outras doenças. Também são feitos exames de sangue que medem substâncias chamadas peptídeos natriuréticos, que costumam estar muito altos em caso de ‘coração partido’.

Ela é mais séria do que parecia

Durante muito tempo, essa condição típica da associação cérebro-coração foi vista como algo temporário e benigno. “Como não costuma ter obstrução das artérias, era comum que os médicos diziam para o paciente que o coração ia se recuperar e que ele poderia voltar à vida normal. Mas não é tão simples assim”, alerta Fagundes.

A mortalidade anual dos pacientes com essa síndrome é de cerca de 5,6% – um percentual que pode parecer baixo, mas que, em termos populacionais, é significativo. Mesmo depois da recuperação, o risco de problemas cardiovasculares e cerebrovasculares é maior do que na população geral, chegando a 10% dos casos. E a chance de um novo episódio é alta: entre cada oito pacientes, um terá uma nova crise nos próximos cinco anos, que pode ser desencadeada por outro estresse físico ou emocional.

Mesmo com a função do coração normalizada, muitas pessoas continuam sentindo sintomas como cansaço, palpitações e dores no peito por mais de dois anos, parecidos com a chamada “covid longa”.

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Clinicamente, a dor no peito aparece em 75% dos casos, parecida com a dor típica do infarto, e cerca de metade dos pacientes sente falta de ar. Inclusive, muitos chegam ao hospital com edema pulmonar. “E nem sempre o paciente relata o estresse que desencadeou a crise, o que dificulta ainda mais o diagnóstico”, observa o cardiologista.

Tratamento

O tratamento depende da extensão do comprometimento do ventrículo esquerdo. A forma mais comum da síndrome é chamada de balonização apical, presente em 75% a 80% dos casos. Nessa situação, a ponta do ventrículo esquerdo fica “inchada” ou deformada. Entre esses pacientes, cerca de 10% a 20% podem desenvolver complicações graves, como insuficiência cardíaca ou choque cardiogênico.

Outra forma menos frequente é a médio-ventricular, que acomete a região central do ventrículo esquerdo. Representa 10% a 20% dos casos e costuma causar disfunção cardíaca mais severa.

O tratamento principal é o suporte para o coração se recuperar, já que, na maioria dos casos, a síndrome melhora espontaneamente em semanas ou meses. Para isso, os médicos podem prescrever medicamentos que ajudam o coração a trabalhar melhor, como betabloqueadores – que reduzem o impacto do estresse cardíaco – e fármacos para controle da pressão arterial e função cardíaca. Diuréticos também são usados para aliviar a congestão pulmonar, quando presente.

Além do tratamento medicamentoso, é importante cuidar da causa que desencadeou o problema. Por isso, zelar pela saúde mental, evitar o estresse excessivo e, quando necessário, fazer acompanhamento psicológico são estratégias importantes. “É uma condição que não deve ser subestimada. Ela é mais um exemplo de como a conexão entre mente e corpo é poderosa”, concluiu o especialista.

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