As piadas sobre Dmitri Medvedev – e como os russos gostam de piadas – são sempre em torno do mesmo tema: a irrelevância do ex-presidente, que chegou a representar uma esperança de renovação, mas hoje virou uma espécie de menino de recados mais extremos.
Diz uma delas: “Putin e Medvedev vão a um restaurante. ‘O que os senhores vão comer?’, pergunta o garçom. ‘Vou querer o filé’, responde Putin. ‘Excelente pedido. E o legume de acompanhamento?’, segue o garçom. E Putin: ‘Ele também vai querer filé’.”
Medvedev hoje é isso: uma porção de repolho ou beterraba que tem exatamente zero poder, usado para postar os maiores absurdos em termos de ameaças aos Estados Unidos e outros países ocidentais, como uma peça menor da propaganda russa.
No cerne dessa propaganda, pulsa o projeto de convencer a opinião pública de países ocidentais que não vale a pena arriscar uma guerra do fim do mundo só por causa da Ucrânia. A ameaça tem que ser factível e, nisso, Medvedev faz um papel farsesco: ele não manda nada e ocupa o cargo de vice-secretário do Conselho de Segurança, uma posição subalterna para quem já foi presidente e primeiro-ministro.
Mas o fato é que uma parte da direita trumpista se deixou convencer pelo argumento do terror nuclear e, em algum momento, Donald Trump também pareceu se inclinar por essa interpretação.
‘CHOQUE E ESPANTO’
Mudou de opinião e agora enfrenta a tendência oposta: propagar que, na falta de um acordo de cessar-fogo com a Ucrânia, ele vai usar um arsenal pesado de sanções secundárias contra países que comerciam com a Rússia – as primárias já foram todas esgotadas.
Isso abre a perspectiva teórica de que o Brasil, que compra primordialmente diesel e fertilizantes da Rússia, seja punido com tarifas maiores ainda, na casa dos 100%. É apenas uma hipótese e Trump demonstrou que quer comprar apenas determinadas brigas ao isentar 70% das exportações brasileiras da alíquota de 50%. Mas nada pode ser descartado no momento atual.
“Se e quando as sanções secundárias forem desfechadas, vai ser choque e espanto. As coisas vão mudar dramaticamente”, disse o republicano Jim Risch, presidente da comissão de relações exteriores do Senado.
Dá, assim, para prognosticar um acirramento das relações com a Rússia – comandado, ironicamente, pelo presidente que a oposição democrata acusava de ser leniente ou até subserviente a Putin.
DESTRUIÇÃO GARANTIDA
Trump deu uma amostra dos novos tempos ao responder às provocações de Medvedev mandando “dois submarinos nucleares se colocarem nas regiões apropriadas, só para o caso que estas afirmações tolas e incendiárias sejam mais do que isso”.
Medvedev merece ser mais ignorado do que qualquer outra coisa, mesmo que seu papel de poodle que rosna seja combinado com o chefe. Mesmo quando diz barbaridades, como ao afirmar que “havia países” dispostos a fornecer ogivas nucleares ao Irã, em resposta ao bombardeio cirúrgico americano de instalações voltadas para produzir a bomba atômica.
Ou, como fez na semana passada, ao invocar “a legendária Mão Morta” – o sistema que continuaria ativando mísseis nucleares mesmo se todos os comandos russos tivessem sido mortos em ataques nucleares ou não tivessem mais a capacidade de ordenar o lançamento de foguetes.
Desde os tempos da Guerra Fria, Estados Unidos e a finada União Soviética recorrem ao sistema chamado de destruição mutuamente garantida. Ou seja, o acionamento dos mísseis nucleares que exterminaria o inimigo mesmo que você, junto com o resto do mundo, não existisse mais. Outros vetores que sobreviveriam ao fim do mundo seriam os submarinos escondidos nos recantos mais secretos dos oceanos e dotados de sistemas que os tornam indetectáveis.
BATMAN E ROBIN
A maioria das pessoas não quer nem ouvir falar nessas hipóteses e prefere achar que mesmo os líderes mais extremados não arriscariam a destruição garantida de seus próprios países caso considerem a insanidade de desencadear uma guerra nuclear.
Falar com naturalidade sobre isso tornou-se um padrão constante na Rússia pós-invasão da Ucrânia, tanto por parte de políticos quanto de personalidades da televisão. Medvedev ganha destaque por causa das posições que já ocupou – e pela falta deliberada de filtros.
Numa comunicação interna vazada de autoridades americanas, ele e Putin eram chamados de Batman e Robin, mas a brincadeira perdeu a graça com as barbaridades cada vez mais sem noção do Robin do mal. Ele já disse que “os cavaleiros do Apocalipse estão a caminho” e especulou, sobre um futuro acordo de compra de gás pela Ucrânia: “Quem pode dizer que a Ucrânia ainda vai existir daqui a dois anos?”.
“É um homenzinho com grandes inseguranças que, para se reafirmar, expele veneno contra a Ucrânia e ameaça o mundo”, já disse Mikhail Podoliak, próximo a Volodimir Zelenski – numa referência não à altura física de Medvedev, de 1,62 metro, mas a sua estatura moral.
Desse ponto de vista, Medvedev deve ter se sentido por cima quando Trump deslocou submarinos nucleares por causa de suas postagens. O poodle foi tratado com respeito, quando não merece mais do que desprezo.