A escritora Carolina Rocha, também conhecida como Dandara Suburbana, conversou com o público na casa Caixa de Histórias, que faz parte da programação extraoficial da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), nesta sexta-feira, 1. Ela contou um pouco da sua história e da forma como foi influenciada pela cultura de resgate de valores negros na sociedade brasileira. Também comentou sobre a forma que o entendimento de corpo se faz necessário para extrapolar os limites da literatura convencional. sou uma mulher das encruzilhadas.
“Na astrologia eu nasci em uma data chamada cúspide, que é 19 de fevereiro, exatamente entre peixes e aquário. Eu passei a minha adolescência inteira achando que era aquariana, mas as coisas não batiam bem. Como pode uma aquariana ser tão sofrida? E depois eu vi no horário que nasci que era pisciana e que topei ali no limítrofe. Esse lugar no limite, da beira da calçada, da encruzilhada. Quando eu nasci minha mãe tinha 38 anos, isso há quase 40 anos atrás. Não era tão simples engravidar, e minha mãe fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição e simultaneamente para Oxum porque ela não é boba. Achou melhor se agarrar às duas e fez essa promessa de que se engravidasse eu seria delas”, lembra Dandara, citando um texto de Conceição Evaristo sobre uma menina que chega na igreja de amarela e começa a entoar uma cantiga de Oxum.
“Não importa por onde a gente esteja, a ancestralidade é viva no corpo e este corpo vai manifestar essa ancestralidade. Tenho uma frase em que falo: ‘ninguém foge do corpo’. E o que é escrita a não ser corpo? A gente tem uma sociedade que diz que intelectualidade, inteligência, acontece do pescoço para cima, mas a gente escreve com o corpo inteiro. Nosso corpo é um arquivo vivo de memória. Inclusive, é graças a esse corpo que nós recuperamos a memória dos nossos e das nossas, que muitas vezes não ocupam os arquivos oficiais escritos e mantidos pelos colonizadores. São essas memórias que nos dão pista também de quem a gente é, para onde a gente vai e de onde a gente veio. Costumo dizer que minha escrita nasce desse lugar, de exercitar esse corpo, remexer as memórias do corpo e esse quadril. Uma provocação porque na sociedade a gente fala muito que o diabo mora nos quadris. Mora nesse movimento pélvico, no prazer, na nossa sexualidade. De onde também vem essa escrita”, concluiu.