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A nova era do pensamento mágico e a origem das nossas crises existenciais

O que o fenômeno dos fãs que passaram a atacar a cantora Taylor Swift, a nostalgia por um suposto passado muito melhor do que o presente, as promessas de curas naturais e energéticas propagadas por gurus virtuais e a eterna comparação do nosso feed de postagens com os dos outros teriam em comum? Tudo isso é semeado e regado por vieses cognitivos, padrões de processamento e julgamento ativados pelo nosso cérebro que nos levam a menosprezar, superdimensionar ou adulterar a realidade. 

E são eles – e as exemplares histórias às quais dão corda – que nos guiam pelo cativante A Era do Pensamento Mágico, da escritora americana Amanda Montell, recém-publicado no país pela Editora Rocco.

A era do pensamento mágico

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Viés de proporcionalidade, viés de soma zero, efeito halo, viés de sobrevivência… Nossa mente sempre construiu atalhos para decifrar e interpretar o mundo ao redor. Faz parte de nossa receita biológica. E é um prato cheio para as “irracionalidades modernas”.

O argumento de Montell, autora que se projetou com o podcast e o livro investigativo Cultos: A Linguagem Secreta do Fanatismo (DarkSide), é que, sob a dinâmica e a velocidade da internet e das redes sociais, passamos a inflamar nossos vieses a ponto de distorcer e destruir evidências científicas, consensos sociais, diálogos e compromissos que nos permitem sustentar relações e relacionamentos.

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Enchemos, nós e outras bocas, uma bolha prenhe de ilusões que pode explodir a qualquer hora – e nos machucar. Pois nos expõe a buscas inatingíveis, frustrações, decepções e fracassos. E assim vivemos num círculo vicioso, ansioso e depressivo, retroalimentado por comunidades que pensam (e erram) como nós mesmos.

Focar nos resultados positivos e ignorar os negativos (viés de sobrevivência), superestimar relações de causa e efeito (viés de proporcionalidade), endeusar um ser humano com base em uma única característica dele (efeito halo), achar que o ganho alheio se deve às nossas custas e perdas (viés de soma zero)… Esses fenômenos psicológicos, hiperestimulados pela vida online, ajudam a contar nossa história atual de ascensões e quedas (algumas um tanto instantâneas) e a entender a crise de saúde mental em que nos metemos.

E é por isso que o misto de ensaio, reportagem e notas autobiográficas de A Era do Pensamento Mágico (a semelhança com o título de Joan Didion não é mera coincidência) cai tão bem. Numa prosa franca e atraente, o livro tira o véu de episódios privados e comportamentos públicos, eviscera experiências individuais e movimentos coletivos, e nos força a pausar o piloto automático. A enxergar os atalhos (ou armadilhas) da mente e suas repercussões à nossa volta. Pelo nosso bem. E o dos outros.

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Com a palavra, Amanda Montell.

Dentre tantos vieses cognitivos que você examina no livro, qual consideraria o mais preocupante para a nossa sociedade hoje?

O viés do excesso de confiança certamente me vem à mente. Definido pela tendência humana generalizada e quase universal de supervalorizar nossas habilidades, expressar certeza excessiva em nossas avaliações e nos superestimar com resultados positivos, ele realmente entra em conflito com a era atual, porque tende a se manifestar em cenários em que julgamentos precisos são mais difíceis de serem feitos. Isso envolve o debate sobre inteligência artificial, viagens interplanetárias, desastres naturais e crises políticas polarizadas. Vivendo em uma época de bilionários correndo em direção ao avanço tecnológico, esse fato me parece especialmente preocupante.

Se você tivesse que apontar uma figura pública (político, celebridade, influenciador…) que representasse a era do pensamento mágico examinada no seu livro, quem seria?

O pensamento mágico excessivo pode ser uma bênção e uma maldição, manifestando-se de tantas formas que é difícil escolher um único mascote! Mas suponho que, como Taylor Swift é um estudo de caso e a santa padroeira do primeiro capítulo do livro sobre o “efeito halo”, podemos dizer que seu universo de fãs em particular representa muito do que esse novo pensamento mágico significa para mim.

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Uma dieta de redes sociais é um antídoto inevitável para lidar com os fenômenos que você analisa no livro?

Eu definitivamente acho que se afastar das mídias sociais — pelo seu aspecto viciante, destruidor de autoestima, esgotador de atenção e até traumático — é uma parte importante da sobrevivência nesta era. Uma especialista em saúde mental com quem conversei para o livro, a terapeuta Linda Sanderville, me disse que faz pausas no consumo de mídia em geral (até mesmo livros e filmes) como uma forma de manter um senso de otimismo e energia em relação ao futuro.

Ela disse: “É difícil consumir e criar ao mesmo tempo. Se você valoriza qualquer tipo de criatividade, dê um descanso ao seu cérebro, pois isso lhe dá espaço para processar tudo o que você anda lendo ou assistindo. Pergunte: como você pode descobrir uma maneira de se esforçar menos para ser mais criativo, mais influente? Como você pode gastar sua energia nas coisas que realmente importam para você?” Isso realmente me marcou.

Você menciona no livro que escrevê-lo foi uma forma de terapia. Funcionou?

Entender como esses atalhos psicológicos profundamente arraigados entram em conflito com a era da informação me ajudou muito a compreender comportamentos que antes eu teria considerado estúpidos ou ruins. Acho que a compaixão por meio da compreensão me ajudou a ter um senso de curiosidade em vez de julgamento, que é um estado mental mais tranquilo para ocupar. Então, sim! Acho que o exercício de escrever este livro foi definitivamente benéfico para minha saúde mental no longo prazo, além de ser um grande privilégio criativo.

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