Nunca precisamos tanto deles como agora. Mas, por incrível que pareça, seu trabalho permanece invisível aos olhos da lei e de boa parte da sociedade. Cuidar de idosos, uma atividade cada vez mais exigida e incorporada às atribuições familiares, ainda não é considerada uma profissão no Brasil. Numa zona cinza, sem registro formal, milhares de pessoas se dedicam à ocupação sem formação, suporte nem remuneração adequada. É uma completa dissonância diante de um cenário em que o envelhecimento populacional empurra um crescente número de cidadãos a zelar pela vida de outros.
Estima-se que existam 840 000 cuidadores contratados no país, a exemplo da paulistana Andrea Coutinho. Depois de trabalhar em um convênio médico especializado na chamada terceira idade, ela decidiu fazer um curso de cuidadora no Senac. Formada em publicidade, não estava satisfeita com a área e buscava outros ares. Pensou que a atenção aos idosos era algo que se encaixaria em seus propósitos e se inscreveu nas aulas. Logo que concluiu os estudos, passou a atender uma senhora de 95 anos. “Fazemos tudo o que podemos para proporcionar a melhor qualidade de vida nos últimos anos de uma pessoa”, diz. Ao mesmo tempo, há mais de 5 milhões de indivíduos que exercem a função sem receber nada. São, na maioria das vezes, parentes, amigos e vizinhos dando apoio a pais, tios e avós. Eles encaram rotinas marcadas pela nobreza de amparar o outro, mas também por estresse e sobrecarga física e emocional.
Apesar das dificuldades no dia a dia, demanda não falta para esse tipo de serviço no país. Mas há quem se veja enredado nele por não ter outra opção. E tudo leva a crer que as próximas décadas serão ainda mais desafiadoras, já que, segundo previsão do IBGE, quase 40% da população será composta de pessoas acima de 60 anos até 2060. Sem regulamentação estabelecida, a atividade ainda depara com outras lacunas. Existem cursos que ensinam noções e técnicas básicas, mas nem sempre são o suficiente para atuar com pacientes mais graves ou debilitados. “Eles dão uma visão das comorbidades dos idosos e mostram como prestar assistência a esse familiar com respeito e empatia”, diz Michele Pereira de Oliveira, docente do curso de cuidadores do Senac São Paulo. Há, contudo, um limite para quem não tem formação em áreas como a enfermagem. Em tese, a pessoa pode ajudar alguém a se vestir, alimentar-se e ir ao banheiro, mas não pode aplicar injeções, por exemplo. O fato é que, sem condições para arcar com o custo, inúmeros familiares sem conhecimento se transformam em cuidadores ou contratam “empregados domésticos” para exercer o posto.

Para tirar a ocupação dessa situação turva, há um projeto de lei que visa a regularizar a profissão. Elaborado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e segue em tramitação. Ele versa sobre atribuições, elenca regras para exercer a prática, como a exigência de curso especializado, e conecta os trabalhadores às normas da CLT. A lentidão do processo, no entanto, faz com que aqueles que trabalham na área busquem atalhos e associações para sanar dúvidas e pedir auxílio. “Fornecemos orientação jurídica e ajudamos a elaborar contratos de trabalho”, diz Milton Gomes, conselheiro da Associação Brasileira dos Cuidadores (ABC), que atua no campo desde o fim da década de 1970.
Para além do dilema legal, há outros desafios à vista. O principal é o chamado “estresse do cuidador”. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida com mais de 2 000 brasileiros aponta que 48% das pessoas nessa função relatam impactos no bem-estar mental. Trata-se de uma realidade global. Em seu livro recém-publicado Viagens a Terras Inimagináveis (Todavia), a consultora americana Dasha Kiper mergulha na relação entre o cuidador e o paciente com demência. “Ao longo dos anos, muitos cuidadores me confessaram que se sentem perdendo a cabeça”, disse ela a VEJA. Para a especialista, faltam conscientização e iniciativas públicas para amenizar os percalços. Apesar dos obstáculos, a atividade de amparar o idoso em momentos de fragilidade seguirá em ascensão. “É uma tarefa que vai muito além da técnica. Requer atenção, emoção e empatia”, afirma a assistente social Naira Lemos, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Valorizar quem se empenha nessa missão é o primeiro passo para construir uma sociedade mais acolhedora.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954