Levas de brasileiros vêm há décadas concretizando o sonho de morar na Europa ao se estabelecer em Portugal, país de clima ameno, que oferece a vantagem da língua e oportunidade para ganhar em euro. Foram tantos fisgados por esse pacote que, hoje, quatro de cada dez estrangeiros por lá vieram do Brasil, o grupo mais numeroso. Mas tudo indica que cruzar o oceano não será mais tão fácil assim. Em um movimento que ecoa tendência mundo afora, também os portugueses estão apertando o cerco aos imigrantes com um discurso tal e qual o de tantos outros países: eles estariam contribuindo para a alta da criminalidade e puxando os salários para baixo, além de ter uma cota de culpa na inflação. Bandeira em alta, ela foi abraçada pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, reconduzido ao cargo em maio depois de ter sido derrubado sob suspeita de corrupção. Enfraquecido, o político do tradicional PSD, da centro-direita, viu-se na necessidade de se aproximar do Chega, este de extrema direita, e foi aí que o debate em torno do que se convencionou chamar de “invasão estrangeira” ganhou novos matizes.
No último dia 16, Montenegro conseguiu fazer passar no Parlamento uma série de medidas para dificultar a entrada e a permanência dos forasteiros. Cabe agora ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa aprovar o texto. Se a medida vingar, vai tirar o direito de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa o direito de requisitar visto de residência uma vez em solo luso e aumentará as exigências para a autorização de trabalho. Também está previsto esticar o tempo mínimo de moradia em Portugal para a concessão de nacionalidade, de cinco para sete anos, e acabar com a cidadania automática a filhos de imigrantes nascidos por lá. Para fiscalizar tudo, o governo criou a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras, a “polícia para imigrantes”, com poder de controlar fronteiras e monitorar os que vêm de fora.
A guinada acompanha um sentimento crescente no eleitorado, atento à disparada de imigrantes na última década: o salto foi de 400 000 para 1,3 milhão de pessoas, 15% do total da população. Tal subida e todas as implicações que ela traz (como a alta nos preços de imóveis e aluguéis que tanto pesa no bolso) mudaram o modo como os portugueses encaram a imigração. Em apenas seis meses, a turma que considerava o tema prioritário saltou de 10% para 41%. “Todo esse discurso anti-imigração é facilmente explorável porque responsabiliza os outros por nossos problemas”, observa o cientista político Bruno Madeira, professor da Universidade do Minho. Os novos ventos indicam que zarpar para o outro lado do Atlântico vai exigir doses de muito mais tempo e paciência.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954