“Para ser um bom destilador, você precisa garantir que está usando bons ingredientes em primeiro lugar. E deve se ater a sua receita. Se você tem uma boa receita, fique com ela. Porque se mudá-la de acordo com a opinião pública, seu produto também vai mudar da mesma maneira”. O conselho vem do americano Fred Noe, destilador que mantém sua atuação calcada na tradição. Representante da sétima geração responsável pelo bourbon Jim Beam, diz que o respeito ao clássico é coisa séria. “Tenho uma receita que foi passada de geração em geração. Se queremos inovar, inovamos em algo novo. Não mexemos com Jim Beam”, afirma, em entrevista exclusiva a VEJA.
Noe esteve no Brasil, em sua primeira viagem internacional em anos, para promover o lançamento do Jim Beam Black Cherry. Como as versões Honey e Apple, já vendidas por aqui, trata-se de um licor feito à base de whiskey que recebe a adição de cerejas pretas. Não é exatamente um bourbon, porque a legislação sobre o tema é rígida, mas uma das inovações a que ele se refere.
Nos Estados Unidos, para que uma bebida seja considerada um bourbon whiskey é preciso seguir algumas regras. Ela precisa ser elaborada em território americano a partir de um mosto de pelo menos 51% de milho, destilado a no máximo 160 proof (ou seja, 80% de teor alcoólico), envelhecido em barris novos de carvalho tostados e engarrafado a no mínimo 80 proof (ou seja, 40% de álcool). Por lá, há rótulos com 60% de álcool ou mais. Nessa definição está incluído o Jim Beam Kentucky Straight Bourbon Whiskey, o clássico de rótulo branco, ou o Jim Beam Black, envelhecido por sete anos.
Conta a história oficial que a receita original começou a ser feita em 1795 por Jacob Beam (1760–1834). Anos depois, quando os Estados Unidos promulgaram a Lei Seca, proibindo o consumo de álcool (“foi uma péssima decisão”, brinca Noe), James B. Beam (1864–1947), então responsável pela destilaria, saiu do negócio e foi se dedicar à mineração de carvão e à plantação de frutas cítricas. Com o fim da Proibição, em 1933, Beam voltou à ativa. Em 120 dias colocou uma antiga destilaria em Clermont, no Kentucky, de pé, recuperou a antiga receita e voltou à produção de whiskey – tudo isso com quase 70 anos de idade.
Por isso, há uma preocupação em manter o rótulo original sem nenhuma alteração. “Usamos os mesmos fornecedores de barris de carvalho, os mesmos grãos, a mesma água calcária e a mesma levedura capturada por Jacob Beam, que vem sendo propagada desde então”, conta Noe. Até a tosta dos barris (“de nível 4″, segundo o destilador, o mais alto tradicionalmente usado na fabricação de bourbon, e que impacta bastante no sabor e na coloração da bebida) é a mesma.
O que muda, às vezes, é o fornecedor dos grãos. Em tempos de mudanças climáticas, às vezes os produtores com quem a destilaria normalmente trabalha não conseguem entregar o grão nas especificações exigidas. “Aí precisamos pagar um pouco mais, mas não mexemos na receita”, reforça Noe.

Ele revela também que brinca com o processo de envelhecimento em barricas. No Kentucky, por conta do clima, quente e com muita umidade, o processo é acelerado. “Já conversei com alguns caras que fazem scotch e eles dizem que um ano no Kentucky equivale a três a cinco anos na Escócia”. Além disso, os escoceses usam barris de segundo ou terceiro uso, enquanto os americanos favorecem sempre barris novos, que aportam mais aromas, sabores e coloração. “Queremos essa interação com a madeira”, diz ele.
Desde 2014, a Jim Beam faz parte da Suntory Global Spirits, marca japonesa de bebidas que tem em seu portfólio marcas como os uísques japoneses Chita, Hakushu e e Hibiki, o gim Roku, o bourbon Maker’s Mark e o uísque escocês Laphroaig, entre várias outras. Por aqui, o portfólio inclui o rótulo clássico, além de três licores, o bourbon envelhecido por sete anos e um whiskey de centeio. Nos Estados Unidos, há ainda mais opções, como o Devil’s Cut e a edição limitada Old Tub, que remete às primeiras garrafas produzidas pela família.