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Anatomia de uma barbeiragem – a continuação

Em minha última coluna, quando tratei do polêmico Decreto que aumentava o IOF, concluí a análise com o alerta de que, dificilmente, o governo aprovaria a medida, por encarecer brutalmente o crédito e servir, unicamente, para fechar contas mirabolantes feitas no passado. E antecipei que, mais cedo ou mais tarde, nos depararíamos com outra medida criativa do governo que se voltaria ao aumento de arrecadação, sem enfrentar o problema das despesas, tão perto de ano eleitoral.

Dito e feito. Ante as fortes críticas e pressão do Legislativo, o governo até tentou uma alternativa, e publicou um novo Decreto revogando parcialmente o anterior e uma Medida Provisória que trouxe outras medidas arrecadatórias sem mal tocar no problema das despesas. Não que isso tenha sido suficiente para convencer os Deputados e Senadores, que derrubaram o Decreto em tempo recorde, sob o discurso de que atentaria contra a natureza extrafiscal do IOF, que não deve ser utilizado para fins arrecadatórios, mas, sim, para controle da economia, escancarando o atual confronto entre Legislativo e Executivo.

A discussão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, por meio de ações movidas pelo PL, pelo PSOL e pelo próprio governo. O relator desses processos, Min. Alexandre de Moraes, sem conseguir que as partes chegassem a um acordo, decidiu por manter, quase integralmente, o decreto do presidente da República, exceto em relação às operações de “risco sacado”, em derrota para o Poder Legislativo.

Vale lembrar que mesmo com essa discussão sobre o IOF, a Medida Provisória apresentada pelo Governo permanece válida e, com isso, estão vigentes os aumentos da tributação sobre as bets e a revisão das regras de isenção do Imposto de Renda sobre determinados títulos de investimentos. Além disso, aumentou-se o Imposto de Renda sobre Juros sobre o Capital Próprio e a CSLL sobre fintechs. Ou seja, o que o governo poderia ter perdido na disputa do IOF, persiste mesmo após a decisão do STF, como o aumento de vários outros tributos.

Todo esse embate legislativo – e agora judicial – ocorre porque, nos últimos anos, o governo tem se valido de contabilidade criativa para fechar suas contas, com projeções supervalorizadas – como o da arrecadação com o voto de qualidade do CARF que tratei na minha última coluna. Ao ver frustradas suas tentativas de fechar as contas públicas, a alternativa do governo é sempre a mesma: aumentar tributos.

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Mas a verdade é que a solução do aumento do IOF era ruim e a MP, ainda pior, por trazer algumas irresponsabilidades evidentes, como a proposta de aumentar, de 15% para 20% a alíquota do IR sobre os Juros sobre Capital Próprios “JCP”. O termo se refere a uma das mais utilizadas formas de remuneração de acionistas, que também é vantajosa para as empresas por possibilitar sua dedução de outros tributos e cuja utilização é recomendada pela OCDE.

A MP também restringe a compensação tributária, ou seja, o direito que os contribuintes têm de utilizar créditos tributários para pagar seus débitos. A nova regra, inclusive, traz redação confusa e genérica, ao vedar a compensação quando o crédito “não guardar relação com a atividade econômica do sujeito passivo”. O receio dos contribuintes é que esse texto dúbio abra margem para a Receita impedir compensações hoje autorizadas e, com isso, gerar caixa de maneira artificial para o governo.

Esse ponto surpreende por contrariar um dos principais motes da reforma tributária: a garantia do direito amplo ao crédito tributário e a simplicidade nas operações fiscais. Se contraria um discurso de simplificação que vem se consolidando há mais de 5 anos e coloca o contribuinte em permanente estado de insegurança, sem nunca saber qual será a próxima surpresa fiscal.

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Situação atual, portanto, após a decisão do STF, é a de manutenção do Decreto que aumenta as alíquotas do IOF somada à vigência da MP que aumenta outros tributos. Ou seja, temos o dobro do aumento dos tributos do que tínhamos quando essa discussão começou.

Para piorar, vemos a interferência do Judiciário nessa discussão, surgida de provocações dos partidos e do Governo. E a decisão favorável ao governo colocou mais lenha na fogueira, gerando a ira da Câmara, que, em resposta, aprovou medidas que aumentam o déficit fiscal. Tudo isso ganha um tempero a mais com o veto do Presidente à proposta do Congresso que aumentou o número de Deputados.

Nessa briga entre os Poderes é o contribuinte que sai perdendo, seja pelo aumento da tributação pelo Executivo, seja pelo aumento das despesas públicas pelo Legislativo, ou ainda, pela insegurança jurídica e risco permanente de novos tributos e mudança das regras do jogo a cada mês.

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