Já fiz 73 anos. É idade, embora as pessoas que me cercam insistam em dizer que estou jovem. Bobagem. Estou envelhecendo, sim, mas isso não é problema. Gosto, por exemplo, do direito à preguiça, que os mais idosos renovam a cada aniversário. Já não se espera que eu tenha um corpo sarado, ou disposição para sair todas as noites. Nunca fui louco por academia e sou mais do tipo introspectivo, não gosto de sair. Sempre fui exatamente como sou. Atualmente, as pessoas agem como se isso fosse fruto da idade, e não me cobram mais uma intensa agenda social. Embora ela não deixe de existir. Surgem novos compromissos, como o reencontro de colegas de escola. Sempre fico tímido nessas ocasiões, porque com o tempo nos tornamos estranhos que se conhecem, uma coisa muito esquisita.
“A vantagem da idade é fazer algo sem a expectativa de lucro e outras tantas obrigações da juventude”
Mas — e sempre tem um mas — eu descobri que o envelhecimento constitui também em uma perda de direitos constante, em uma batalha para continuar sendo quem sou. “Você trabalha demais” — diz um primo. Só que gosto de trabalhar, de escrever. A ideia de me aposentar, tão relacionada com a idade, não tem nenhum atrativo para mim. Sinto que as pessoas do entorno, porém, desconfiam de uma pessoa mais velha. Há certas decisões, como algumas sobre o patrimônio, que devem ser acompanhadas de laudos médicos garantindo meu juízo perfeito. Embora, para falar a verdade, desde adolescente eu não saiba o que é juízo perfeito. Sempre ouvi que a velhice traz sabedoria, e acreditava que com o tempo me transformaria em um Buda. Mas, nas brincadeiras familiares, surgem expressões de dúvida sobre minha sanidade mental quando falo em alguns planos de viagem, por exemplo (atravessar o Saara?). Como se a velhice carregasse, em si, o estigma da perda de juízo. Qualquer exagero, que na juventude é até estimulado, para o idoso tem um peso maléfico. A agenda dos médicos torna-se mais importante que a dos aniversários. Muito doce faz mal, gordura também, enfim, a lista de cautelas alimentares cresce. Chocolate, bolos e doces recheados de creme, que eu adoro, entram no índex. A nutricionista fica de olho na minha gula e, ai de mim, os torresmos de que gosto tanto são encarados como tentativa de suicídio. Eu pergunto: é possível ser feliz sem um churrasco bem gordo de vez em quando? Alguém já viu rodízio de brócolis e chuchu?
Eu não sou do tipo que se acomoda com a idade e não aconselho ninguém a se acomodar. O envelhecimento é a continuação de uma vida plena. Não há por que desistir do que a gente gosta. Pelo contrário, é o momento de descobrir coisas novas, já que possivelmente o trabalho não toma tanto tempo, e é possível se dedicar a algo que nunca se fez antes. A vantagem da idade é fazer algo sem expectativa de lucro e outras tantas obrigações da juventude. Por exemplo: deve ser excitante observar o mundo sob a ótica de um povo que já não existe. Alguém sabe onde encontro um curso de aramaico?
Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953