counter O presente de Trump: tarifaço ajuda popularidade de Lula e pressiona a oposição – Forsething

O presente de Trump: tarifaço ajuda popularidade de Lula e pressiona a oposição

Afeito a avanços e recuos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reforçou o cerco ao Brasil. Depois de anunciar um tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros, previsto para entrar em vigor em agosto, ele determinou a abertura de uma investigação comercial que pode agravar as sanções aplicadas ao país. Anunciada na terça-feira 15, essa apuração analisará até o uso do Pix, que poderia — segundo o órgão dos EUA responsável pelo caso — prejudicar a competitividade das companhias americanas que atuam nos serviços de pagamento eletrônico. Se forem levadas adiante, as medidas de Trump, que acaba de completar seis meses de mandato, podem resultar numa série de danos à economia brasileira, da redução do PIB ao aumento da inflação, passando por ondas de desemprego nos setores afetados. O tamanho do prejuízo dependerá do resultado das negociações diplomáticas. No campo político, no entanto, a ofensiva do republicano já provocou efeitos no Brasil. Um deles foi causar um racha entre líderes da direita. O outro foi dar a Lula uma oportunidade para mostrar serviço e redimir um governo sem rumo, sem marcas novas, impopular e desgastado com as classes política e empresarial.

TROCADILHO - PT: Trump é chamado de “vagabundo” no site do partido
TROCADILHO - PT: Trump é chamado de “vagabundo” no site do partidoFUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO/.

Até aqui, o presidente, que já teve fama de craque, mas andou distribuindo caneladas no atual mandato, agiu com cautela. Em resposta ao tarifaço, ele lembrou a Trump que o Brasil é deficitário na relação comercial com os Estados Unidos, e não superavitário, como alegou o mandatário americano, e que o Executivo não pode interferir no Judiciário para livrar Jair Bolsonaro da inelegibilidade e de uma provável condenação por suposta tentativa de golpe. Lula também deixou de lado a retórica antiamericana tão cara a certos petistas, enfatizou que apostará na negociação para tentar resolver o problema, defendeu a soberania nacional contra interferências externas e pregou uma união entre governo, Congresso e empresariado, a fim de resguardar o setor produtivo e os trabalhadores brasileiros. Num gesto simbólico, o presidente até voltou a usar o boné com a inscrição “O Brasil é dos brasileiros” para se contrapor a Bolsonaro, cujos filhos Flávio (senador) e Eduardo (deputado) insistem em dizer que Trump só anulará o tarifaço se houver anistia ao ex-presidente.

PROTAGONISMO - Alckmin: união com empresários, “indignação” com medidas e estratégia para priorizar negociação
PROTAGONISMO - Alckmin: união com empresários, “indignação” com medidas e estratégia para priorizar negociaçãoLula Marques/Agência Brasil

Enquanto Lula agiu com sobriedade, aliados subiram o tom. Em ato na Avenida Paulista convocado por movimentos de esquerda, Trump e Jair Bolsonaro, definidos como inimigos e traidores da pátria, tornaram-se alvos preferenciais. Já a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, publicou uma charge na qual o presidente dos Estados Unidos é chamado de “Tramp” — em português, vagabundo. A exploração da figura do adversário externo, instigado por um rival doméstico a prejudicar o Brasil, tem rendido frutos ao presidente. Publicado pela coluna Radar em VEJA.com, um levantamento da Ativaweb Group revelou que Lula tirou de Bolsonaro o protagonismo na disputa travada no Instagram em torno do caso do tarifaço. A vitória do petista ocorreu em números, qualidade de engajamento e ativação de novas bolhas. Uma raridade, já que os bolsonaristas reinam quase absolutos na arena digital. “Pela primeira vez, o algoritmo ouviu mais Lula do que Bolsonaro”, disse Alek Maracaja, diretor da Ativaweb. A popularidade do presidente também deu um respiro.

Continua após a publicidade

Antes do tarifaço, integrantes do governo diziam que o discurso em defesa da “justiça tributária”, ou de cobrar mais imposto do “andar de cima” para reduzir o fardo do “andar de baixo”, empregado no imbróglio do IOF, já havia ajudado Lula a recuperar terreno no campo da imagem. A investida de Trump reforçou essa tendência. Segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira 16, a desaprovação ao governo caiu de 57% para 53%, enquanto a aprovação passou de 40% para 43%, entre maio e julho. Em dois meses, o saldo negativo, que era de 17 pontos percentuais, baixou para 10. O levantamento mostrou ainda que a recuperação da gestão Lula foi acima da média no Sudeste, que reúne os quatro estados que mais exportaram para os Estados Unidos em 2024 — e também os três maiores colégios eleitorais do país. Na região, a desaprovação baixou de 64% para 56%, e a aprovação subiu de 32% para 40%. Entre maio e julho, o saldo negativo, portanto, caiu pela metade, de 32 para 16 pontos percentuais. O presidente avançou até em setores que não formam suas bases de apoio tradicionais. “A recuperação aconteceu na classe média, com maior escolaridade, no Sudeste. São os segmentos mais informados da população, que se percebem mais prejudicados pelas tarifas do Trump e que consideram que Lula está agindo de forma correta até aqui”, afirma o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest.

Se no campo da imagem Lula tem o que comemorar, falta a ele o mais importante: neutralizar a ofensiva americana. O presidente delegou ao vice e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, a tarefa de coordenar os debates com representantes dos setores produtivos e ajudar na formulação de uma proposta capaz de derrubar o tarifaço. Ladeado por colegas de Esplanada, Alckmin já se reuniu com dirigentes da indústria e do agronegócio. Após os encontros, ele disse que a prioridade é conseguir o recuo do governo Trump, mas, se isso não for possível, negociar um adiamento da entrada em vigor das novas taxas. Com o apoio do Congresso, Lula também já afirmou que, caso não haja avanço nas negociações, pode adotar a reciprocidade tarifária.

Continua após a publicidade

POPULARIDADE - Sidônio: meses de tentativas infrutíferas de reverter índices
POPULARIDADE - Sidônio: meses de tentativas infrutíferas de reverter índicesMarcelo Camargo/Agência Brasil

A prioridade, por enquanto, é costurar um acordo entre as partes. Por isso, o governo brasileiro enviou uma nova carta à gestão Trump na qual manifesta indignação com a taxação anunciada, mas ressalta estar pronto para dialogar e encontrar uma solução capaz de aprofundar o relacionamento histórico entre os dois países. Todo o esforço é para anular ou mitigar os efeitos do tarifaço, que podem ser monumentais. Os Estados Unidos compram 2 000 tipos de itens produzidos no Brasil. No primeiro semestre, foram 20 bilhões de dólares exportados para lá, segundo o governo. Caso a sobretaxa não seja arquivada, as vendas de algumas categorias de produtos se tornarão inviáveis. Entre os setores mais dependentes do mercado americano estão os de suco de laranja, aviões e produtos semiacabados de ferro e aço. Em reuniões com o governo, representantes do setor produtivo foram questionados se seria possível redirecionar parte dessas exportações para outros mercados. A resposta não foi animadora. “Para nós, o mercado americano é impossível de ser substituído”, afirmou Ibiapaba Netto, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos.

Ele não está exagerando. Hoje, 43% do suco de laranja exportado pelo Brasil vai para os Estados Unidos. Na última safra nacional da fruta, foram empregadas 57 000 pessoas, cuja permanência no mercado de trabalho está ameaçada. A pressão sobre a Embraer também é enorme. Na semana seguinte ao anúncio da sobretaxa, as ações da fabricante de aeronaves caíram mais de 10%. “Alíquota de 50% é quase um embargo”, disse o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto. A preocupação permeia vários ramos. Fabricantes de máquinas e equipamentos têm mais de 420 000 funcionários, e quase 30% do que exportam seguem para os Estados Unidos. Mais de 110 000 empregos estão em risco na indústria. Para o economista Maurício Nakahodo, da consultoria DA Economics, a pressão sobre o governo americano para que as sanções sobre o Brasil sejam aliviadas pode ser reforçada pelo setor privado e a opinião pública dos Estados Unidos, que também sofrerão com preços mais altos. “A própria cadeia de fornecimento americana pode pressionar a Casa Branca”, diz Nakahodo.

Continua após a publicidade

PREJUÍZOS - Exportações de laranja: segundo empresários do setor, não há como substituir o mercado americano
PREJUÍZOS - Exportações de laranja: segundo empresários do setor, não há como substituir o mercado americanoEdson Silva/Folhapress/.

Nessa equação, itens essenciais na mesa dos americanos podem fazer a diferença. Cerca de 20% do café comprado pelos Estados Unidos vem do Brasil. E os quase 800 milhões de dólares em carne bovina que os frigoríficos brasileiros vendem para lá são destinados em especial à produção de hambúrgueres. “Essa tarifa inviabiliza totalmente nossas vendas aos Estados Unidos e não há plano B no momento”, declarou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, Roberto Perosa. A falta de justificativa econômica para o tarifaço sobre produtos brasileiros, já que os Estados Unidos desfrutam de superávit histórico no comércio com o Brasil, levantou a hipótese de que seria possível derrubar a medida na Justiça americana. A fim de evitar que isso aconteça, Trump determinou a abertura de uma investigação sobre supostas práticas comerciais desleais do Brasil para, com base na Lei de Comércio americana, encontrar motivos de retaliação com tarifas e outras medidas restritivas. A lista de práticas a ser investigada é extensa e inusitada.

ENTUSIASMO - Manifestação em São Paulo: a esquerda, antes sem discurso, encontrou um motivo para voltar às ruas
ENTUSIASMO - Manifestação em São Paulo: a esquerda, antes sem discurso, encontrou um motivo para voltar às ruasMiguel Schincariol/AFP
Continua após a publicidade

Há reclamações antigas em relação às tarifas cobradas do etanol de milho americano e a um suposto desrespeito à propriedade intelectual. Nesse caso, o documento de abertura de investigação cita diretamente a Rua 25 de Março, conhecido local de comércio popular em São Paulo, definido injustamente como “um dos maiores mercados de produtos falsificados”. Também chamou a atenção a investida da gestão Trump sobre o Pix, que se tornou um patrimônio nacional. No início do ano, a oposição causou um estrago na imagem do governo ao disseminar a versão de que Lula taxaria o Pix, o que não aconteceu. Agora, é o presidente que quer pegar carona no assunto. “O Pix é nosso, my friend”, postou a Secretaria de Comunicação da Presidência — comandada pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, que só lidava com agendas negativas — em resposta à ofensiva americana. Enquanto a questão é tratada nas searas da diplomacia, das cartas e das redes sociais, sem que haja acordo à vista, Lula colhe louros no eleitorado. Outra pesquisa Genial/Quaest, divulgada na quinta-feira 17, revelou que diminuiu em 8 pontos percentuais a rejeição a uma nova candidatura do petista, que também abriu vantagem sobre os principais nomes da oposição nas simulações de segundo turno.

arte Lula

O presidente, que estava empatado com o inelegível Bolsonaro (41% a 41%) e com o governador Tarcísio de Freitas (41% a 40%) na rodada anterior, bateria tanto o capitão (43% a 37%) quanto o pupilo dele (41% a 37%). Depois da invasão das sedes dos Três Poderes, em janeiro de 2023, Lula também teve a chance de unir e pacificar o país, mas desperdiçou a oportunidade. Na primeira metade do mandato, ele deixou de lado o conceito de frente ampla vitorioso nas urnas, gastou energia com uma malsucedida busca por protagonismo internacional e permitiu que seus principais auxiliares se lançassem numa disputa fratricida que paralisou a administração. Como consequência, perdeu popularidade e até o favoritismo para 2026. O caso do tarifaço abre uma janela para que consiga reverter esse quadro negativo. Com seu voluntarismo, ego e imprevisibilidade desmedidos, Trump, quem diria, pode acabar dando uma mãozinha a Lula.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

Publicidade

About admin