Talvez nenhuma outra fruta seja tão carregada de simbologias, nem tão presente na história ocidental quanto a maçã. Na mitologia grega, Hércules tem de matar um dragão de cem cabeças para colher maçãs de ouro. Já na cultura germânica, outro herói, Guilherme Tell, teria provado sua destreza flechando uma maçã posta na cabeça de seu filho. Nos contos populares, é a fruta que envenena Branca de Neve. Na ciência, está lendariamente associada à descoberta da lei da gravidade por Isaac Newton.
Mas, sem dúvida, o mito mais difundido é o que a associou para sempre à tentação, por ter sido identificada como o fruto da árvore do Paraíso. O engraçado é que, na verdade, o texto original da Bíblia não descreve ou nomeia a espécie proibida.
A confusão começa quando as escrituras foram passadas do hebraico para o latim, no século 4º. Há duas hipóteses principais para o enrosco. Uma diz que “malus”, “mal” em latim, foi entendida como “malum”, grego para maçã. Em outra versão, o problema seria que fruto em latim, “pomum”, passou a nomear a maçã em línguas modernas, o que levou artistas a usar a fruta ao representar o episódio bíblico.
Curiosamente, na sabedoria popular, ela está bem mais perto das virtudes do que dos pecados. Um antigo ditado em inglês diz que “an apple a day keeps the doctor away”, uma maçã por dia mantém o médico longe.
Existem várias razões científicas para justificar essa crença. Estudos comprovam que o tipo de fibras que ela tem beneficia a saúde intestinal, reforçando o sistema imunológico. Além disso, a substância que lhe dá a cor vermelha é associada à proteção cardiovascular, e outros nutrientes, ainda, à redução de níveis de açúcar no sangue.
Características isoladas à parte, o mais provável é que a maçã seja vista como uma auxiliar da boa saúde porque sempre se pode contar com ela para compor a cota de vegetais diária. É uma fruta resistente e duradoura, dispensando a refrigeração. Seu sabor doce e suave também é muito bem aceito. Além do mais, é cultivada em boa parte do globo.
A origem genética da maçã está nas montanhas do Cazaquistão. Ela se espalhou conforme os mercadores que viajavam pela Rota da Seda iam deixando, em seu caminho até a Europa, as sementes e restos das frutas consumidas.
Essas primeiras maçãs ainda eram pequenas e sem graça; acho que nem chamariam muita atenção no Jardim do Éden. Mas, como costuma acontecer na história dos alimentos, a ação humana interferiu. As árvores que davam os exemplares mais apetitosos foram sendo usadas para enxertos e cruzamentos, até chegar nesse que é um dos produtos agrícolas mais populares do mundo: ao ano, são produzidas quase 100 milhões de toneladas da fruta.
Existem milhares de tipos de maçãs no mundo, mas cerca de vinte apenas dominam o mercado. Não importa qual esteja à mão: com qualquer uma é possível diversificar a dieta. Costumo usar a maçã em bolos sem farinha e tortas fit que se valem de sua umidade, ou mesmo para fazer um “donut” saudável, tirando o miolo da fruta e cortando em anéis, para imitar o formato das rosquinhas fritas.
Pensando bem, com tantas qualidades, a maçã poderia mesmo ter nascido na mítica árvore do conhecimento. No entanto, se for para escolher um adjetivo com o qual qualificá-la, eu não diria que ela é o fruto proibido e, sim, o permitido.