A falta de um acordo a audiência de conciliação realizada na terça-feira, 15, no Supremo Tribunal Federal (STF), traz riscos relevantes, na opinião de especialistas consultados. Convocada pelo ministro Alexandre de Moraes para discutir a validade dos decretos que aumentaram as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a tentativa de entendimento fracassou e o fim da novela do IOF vai mesmo ficar a cargo de decisão judicial, mas ainda não há data para o desfecho.
O governo não está disposto a negociar já que busca recursos para conseguir fechar as contas dentro da meta fiscal. Com o primeiro decreto de alta do IOF, de maio, a projeção era conseguir 20 bilhões de reais a mais com o aumento da arrecadação no ano. O recuo do governo e a apresentação do segundo decreto, mais ameno, cortaram pela metade o valor esperado: 10 bilhões de reais. Ainda assim, o governo não quer perder esse montante.
Na audiência de ontem, representantes da Advocacia-Geral da União, do Ministério da Fazenda, do Congresso Nacional, do Partido Liberal (PL) e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) reafirmaram suas posições já apresentadas nos processos em andamento. O ministro relator questionou diretamente as partes sobre a possibilidade de concessões recíprocas. Segundo registrado na ata da audiência, “os presentes disseram que, apesar da importância do diálogo e da iniciativa dessa audiência, preferiam aguardar a decisão judicial”.
Próximos passos
Com isso, segue válida a liminar concedida por Moraes no início do mês, que suspendeu tanto o decreto presidencial que elevava o IOF quanto o decreto legislativo que havia anulado esse aumento. Na prática, permanecem suspensos os efeitos dos aumentos do imposto e estão em vigor as alíquotas praticadas antes do primeiro decreto aumentando o IOF publicado no dia 22 de maio. Ao final da audiência, Moraes determinou que o processo siga para decisão, atendendo inclusive a pedido do Senado para que seja mantida a suspensão até o julgamento definitivo.
Rafael Balanin, tributarista do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados, explica que os processos serão remetidos ao Relator, ministro Alexandre de Moraes, para que ele possa analisar a manutenção da ordem de suspensão de todos os Decretos ou mesmo submeter o feito a julgamento pelo Plenário do Supremo. “O julgamento dessa questão é extremamente relevante porque enseja não só a análise jurídica da constitucionalidade das provisões implementadas para aumentar o IOF (bem como da reação do Congresso Nacional a essas medidas), como também busca resolver impasse entre dois dos Poderes da República”, diz.
Na prática, até agora, pelo menos, o governo está perdendo a batalha. “De todo modo, a decisão cautelar concedida pelo ministro ainda é provisória e precisa ser referendada pelo Plenário do STF, podendo ser alterada ou mesmo cassada, embora isso raramente ocorra”, diz o advogado Donovan Lessa, sócio do escritório Maneira Advogados.
O especialista destaca que o STF terá de decidir dois pontos centrais: primeiro, se o presidente pode aumentar o IOF apenas para arrecadar mais, ou se essa prerrogativa só vale quando há objetivo regulatório, como controlar o mercado financeiro ou implementar política monetária. Segundo, se, mesmo que o aumento seja aceito como legítimo, o governo teria de respeitar a regra da anterioridade, ou seja, só cobrar o novo valor no ano seguinte, garantindo previsibilidade aos contribuintes.
“O Congresso Nacional justifica seu Decreto legislativo que derrubou o aumento, justamente em função do “desvio de finalidade” dos Decretos da Presidência da República, que elevaram o IOF exclusivamente para fins de cumprimento de metas fiscais, o que os tornam ilegais e inconstitucionais”, diz. Na opinião dele, a decisão cautelar do STF vai na direção da tese do desvio de finalidade. “Pois nela se afirma que, caso comprovado que o aumento do tributo se deveu a propósitos exclusivamente arrecadatórios, sem atender a propósitos regulatórios, então haverá incompatibilidade com a Constituição”, explica.
Caso o Supremo se convença de que o aumento da alíquota foi promovido apenas para gerar arrecadação maior e resolver a questão do equilíbrio das contas do Governo, deve considerar inconstitucional a cobrança.
Momento é de insegurança jurídica
Para a tributarista Mary Elbe Queiroz, sócia do Queiroz Advogados e presidente do Cenapret, explica que a questão será decidida no STF e que indefinição prolongada afeta a economia “Como não houve acordo na audiência de conciliação, o próximo passo natural é o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, a indefinição prolongada gera um cenário de insegurança jurídica que afeta diretamente investidores, empresas e fundos que atuam com crédito privado. Por isso, é esperado que o STF paute o julgamento o quanto antes, para que haja estabilidade normativa e previsibilidade nas relações tributárias.”
Na mesma linha, Theo Braga, CEO da SME The New Economy, avalia que a insegurança jurídica continua no centro das decisões empresariais. “Embora o decreto legislativo que suspende a cobrança adicional de IOF ainda esteja em vigor, o impasse sobre a validade do decreto presidencial gera dúvidas que travam investimentos e afetam diretamente o apetite ao risco. O julgamento pelo STF precisa ocorrer logo para que empreendedores e investidores possam tomar decisões com base em regras claras e estáveis”, diz.
Elias Menegale, tributarista do escritório Paschoini Advogados diz que o fracasso da negociação na audiência de conciliação expõe o racha entre governo e Congresso. “Mais uma vez, todas as partes envolvidas acabaram deixando de resolver, de articular e ceder. E acabaram deixando para o Poder Judiciário ter de tomar a decisão”, diz.