As palavras têm poder e Donald Trump mostrou isso com uma simples observação: “Os ucranianos, quer achemos injusto dar tanto dinheiro a eles, são muito valentes”. Pronto, falou – para tristeza da ala trumpista que tinha assumido uma posição virulentamente contra a Ucrânia, invocando argumentos em tudo parecidos com os ditos pela Rússia.
Sobre Vladimir Putin, uma análise em tom de decepção: “Ele fala de forma gentil, mas daí bombardeia todo mundo durante a noite”.
Além de falar, Trump vai fazer e provavelmente o anúncio oficial será hoje mesmo. Já antecipou que enviará mais uma bateria de mísseis antiaéreos Patriot, apesar da falta de interceptadores depois dos usados para ajudar a defender Israel e a base americana no Catar de ataques iranianos. Várias unidades do Patriot já protegem Kiev. Também incluirá armas ofensivas,
Outros indícios: Trump está considerando a hipótese de mais sanções contra a Rússia. E, na sua linguagem crua, reclamou que Vladimir Putin “fala *****”, embora de maneira sempre gentil, quando discutem a guerra. Ele finalmente percebeu que o russo quer “continuar a matar gente”. Ao presidente Emmanuel Macron, reclamou que “quer tomar a Ucrânia inteira”. E, para horror dos trumpistas que se compraziam em humilhar não só o presidente Volodymyr Zelensky como toda a causa ucraniana, elogiou contatos recentes com o líder que havia massacrado na infame reunião do Salão Oval.
Parece assim que vão sendo corrigidos grandes erros cometidos por Trump em relação à Ucrânia, insuflados pela ala isolacionista da direita americana e por figuras sinistras como o jornalista Tucker Carlson, praticamente um porta-voz do Kremlin. Por tenderem a apoiar qualquer lado para o qual soprasse o vento trumpista, figuras importantes do governo, como o vice-presidente JD Vance e o secretário da Defesa, Pete Hegseth, também entraram na onda de jogar pedras na Ucrânia.
ESTADISTA APRENDIZ
A mudança de Trump é para valer e pode indicar que se dispõe a rever posições, como no caso das sanções punitivas que afetam o Brasil?
Ou apenas resultado de ego ofendido pela forma como é solenemente ignorado por Putin, mesmo depois da proposta de cessar-fogo que chancelava a entrega dos territórios ucranianos ocupados pela Rússia?
Em momento algum Zelensky concordou com a cessão dos territórios – nem teria autoridade para fazê-lo, mesmo que quisesse. Mas teve a maturidade de engolir o orgulho ofendido, dando ouvidos aos conselhos de líderes europeus para recompor a relação com Trump. Nesse movimento, foi incluído o acordo para a exploração conjunta de minérios estratégicos e terras raras. Foi um exemplo de que o ex-comediante está aprendendo, na dureza da guerra, a ser um estadista que não apenas faz discursos eloquentes, mas enfrenta as realidades do poder.
O impulso principal da mudança, no entanto, foi dado pelo próprio Putin. No começo do mês, Trump pediu a ele que parasse com os ataques contra alvos civis. O russo respondeu mandando a maior onda de drones já enfrentada pela Ucrânia. As cenas de uma maternidade bombardeada são dramáticas.
O que Trump pode fazer, além de aumentar sanções e armar a Ucrânia – exatamente a política de Joe Biden?
Qualquer interferência direta é da categoria impensável, pois envolve a reação do país com o maior arsenal nuclear do mundo. A invasão da Ucrânia mostrou que a Rússia não é essa potência toda e, com todas as suas vantagens estratégicas, não conseguiu dominar um país 28 vezes menor e sem armas nucleares. Mas tem a mão cheia de cartas de alto naipe – para ficar numa metáfora predileta de Trump.
PRUDÊNCIA E FORÇA
Um dos mais repetidos argumentos dos trumpistas que são contra a Ucrânia é que o conflito tem o potencial de desencadear uma terceira guerra mundial. Isso ajudou a popularizar essa tendência.
Numa situação de tanto potencial volátil, teria Trump a cabeça fria para enfrentar uma crise dessas proporções? Na recente guerra no Oriente Médio, ele escolheu uma opção bastante contida: a operação prodigiosa, mas cirúrgica, dos bombardeios B-2, que saíram dos Estados Unidos, despejaram as bombas que furam montanhas em instalações nucleares e deram a intervenção por terminada. O Irã entendeu o recado.
Com a Rússia, todas as proporções são completamente diferentes. Trump também vai ter que ser um estadista capaz de conciliar prudência e força ao mesmo tempo, flexibilidade e liderança, ousadia e espírito conciliador. Não é exatamente o seu perfil, mas tem demonstrado que é capaz de mudar. Isso poderia acontecer também com as sanções em relação ao Brasil, complicada pelo fato de que se misturaram a sua simpatia por Jair Bolsonaro.
Como qualquer outro país, os Estados Unidos não têm amigos, têm interesses. Trump quer cortar as asas do Brics, em especial no que tange ao dólar como moeda de troca. Mais ambiciosamente, imagina uma reindustrialização dos Estados Unidos, o principal motivo de uma política tarifária que parece tão arbitrária. Não há uma saída fácil para isso, mas Trump vem demonstrando que não tem problema em mudar de ideia, o que deixa uma brecha estreita para a salvação das exportações brasileiras.