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A explosão dos cursos de pensamento crítico

Existe uma torradeira que, com algoritmos de aquecimento, garante a torrada perfeita. Uma lixeira capaz de selar e trocar os saquinhos imundos que a gente normalmente acha nojentos. Privadas capazes de analisar urina e detectar possíveis problemas de saúde. Num mundo em que vivemos rodeados de coisas smart, I couldn’t help but wonder… A quantas anda a inteligência humana?

Roubei a frase padrão de Carrie Bradshaw para começar o texto porque, assim como a personagem de Sex and the City, fiquei encucado com um mesmo tema nos últimos dias — hiperfoco, como é moda dizer hoje. No caso, com o fato de que houve uma explosão na procura por cursos de pensamento crítico.

Mais especificamente, 194% na América Latina e 26% no Brasil, ao longo do último ano. Os dados são da plataforma Coursera, que aqui no país tem 6,5 milhões de alunos. Houve, de modo geral, uma procura enorme por aprendizado relacionado a tecnologia: 242% nos cursos de capacitação em IA Generativa, por exemplo.

Por que essa procura alta chama atenção?

O que me pegou foi a sensação de que a gente anda tão destreinado, quando o assunto é pensar, que só recorrendo a um curso para pegar no tranco.

Sim, pode ser bobagem minha. Mas me inquieta pensar que, quanto mais convivemos com máquinas inteligentes, mais temos preguiça de colocar a cabeça em atividade. Passamos os dias scrollando entre redes sociais mediadas por algoritmos, pulando de uma urgência para outra. E, não à toa, surgiu o conceito de brainrot, que se refere a um “apodrecimento” da massa cinzenta devido ao excesso de conteúdo ruim.

A procura por esses cursos subiu a partir de relatório do Fórum Econômico Mundial, tendência do mercado editorial e cenário mundial de crise
A procura por esses cursos subiu a partir de relatório do Fórum Econômico Mundial, tendência do mercado editorial e cenário mundial de criseAlvaro Leme/Midjourney/Reprodução
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Por outro lado, QUE BOM que as pessoas decidiram procurar cursos. Sou sempre a favor de estudo, aprimoramento, evolução pessoal baseada em atividade intelectual, desde a época que era chamado de CDF e similares no colégio.

É possível, ainda, que a procura seja motivada não porque a gente anda destreinado de pensar, mas porque a convivência com tecnologias que parecem tão melhores nisso (embora nem sempre sejam) fez algum gigante adormecido acordar.

 Os catalisadores que criaram a tempestade perfeita

Com ajuda do meu estagiário preferido no momento, que é o Gemini — mês passado era a Perplexity, que anda meio de mal comigo — tentei entender de onde surgiu essa corrida pelo pensamento crítico. De novo: é melhor um mundo com gente que estuda, que o contrário, ok?

A IA me apontou que essa valorização súbita do pensamento crítico não nasceu de um único guru corporativo ou de uma campanha de marketing. Foi uma tempestade perfeita, com três grandes catalisadores.
O primeiro gatilho foi institucional e veio de relatórios como o The Future of Jobs, do Fórum Econômico Mundial. Começou na edição de 2016, quando o documentou listou ”pensamento analítico e crítico” no topo das competências essenciais para o futuro do trabalho.

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Quando um dos principais fóruns de líderes globais sinaliza que essa é a habilidade que definirá os profissionais mais valorizados, o mercado escuta e reage. A velha história do “manda quem pode, obedece quem tem juízo.”

O segundo catalisador foi intelectual, direto das livrarias. Você, como eu, talvez tenha investido alguns reais em títulos como Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman e outros representantes de uma categoria focada em desvendar o cérebro. Que, sim, já estavam por aí havia mais tempo, porém ganharam força extra na última década.

Kit de ferramentas mental: o conteúdo das aulas aborda de argumentação lógica a avaliação de fontes de notícias
Kit de ferramentas mental: o conteúdo das aulas aborda de argumentação lógica a avaliação de fontes de notíciasAlvaro Leme/Midjourney/Reprodução

De certo modo, a procura por inteligências artificiais estimulou também um mergulho interior da humanidade. Até porque, quanto mais entendemos nosso cérebro, mais elementos temos para tentar reproduzi-lo em laboratório.

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Por fim, o terceiro gatilho foi a própria realidade, que se impôs de forma inegável. A pandemia de Covid-19 nos transformou em analistas amadores de dados, forçados a navegar por um mar de informações conflitantes. Ao mesmo tempo, a epidemia de desinformação e escândalos como o da Cambridge Analytica expuseram a fragilidade de nossa percepção diante da manipulação digital.

Sim, mas o que há de conteúdo nesses cursos?

Longe de ser uma aula de filosofia, o que já seria bem legal, o conteúdo desses cursos é uma espécie “kit de ferramentas” para a mente. O objetivo é tornar o processo de raciocínio, que é muitas vezes automático, em algo intencional e estruturado.

Essa descrição me leva a crer que, sim, realmente precisamos de rodinhas de bicicleta para voltar a raciocinar de verdade. Talvez o cansaço de que a gente tanto reclama (com razão) só possa ser vencido com estímulos educacionais. Será?

Daí, segundo as ementas dos cursos que analisamos, os alunos aprendem a anatomia de um argumento: premissas, evidências, o que tem de sólido numa discussão e o que é castelo de cartas — bem legal, quero essa aula.

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Da torradeira à lixeira, passando pela privada, vivemos rodeados de aparelhos
Da torradeira à lixeira, passando pela privada, vivemos rodeados de aparelhos “smart”: como fica nossa própria inteligência nesse novo contexto?Alvaro Leme/Midjourney/Reprodução

Os cursos também abordam as falácias lógicas e os vieses cognitivos, como o viés de confirmação, que nos faz dar atenção apenas ao que reforça nossas crenças preexistentes, a base das bolhas ideológicas.

Talvez o pilar mais prático seja a avaliação de fontes. Ensina-se um método para analisar a credibilidade da informação, questionando sua autoria, propósito, precisão e relevância. É uma habilidade de sobrevivência digital.

Olha, confesso que depois que vi direitinho o conteúdo, fiquei com vontade de me matricular também. E, não, isso não é uma publi disfarçada e não ganharei nada pelo comentário da frase anterior, beleza?

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