Devido ao crescimento do consumo de vinhos no Brasil nos últimos anos, o mercado nacional ficou ainda mais saboroso para os maiores países produtores. Chile e Argentina lideram com folga o ranking geral de exportadores, com Portugal vindo em terceiro lugar. É difícil desbancar as nações sul-americanas dessas posições, mas o que não falta aos gajos é sede para avançar rapidamente em negócios por aqui. Eles não se cansam de atravessar o Atlântico com novidades. Nas últimas semanas, por exemplo, alguns estados brasileiros receberam uma saborosa, pacífica e voraz invasão lusitana. Resultado: dezenas de novos rótulos foram parar nas prateleiras já repletas de vinhos dessa nacionalidade.
Localizada na região do Douro, a Ramos Pinto é uma das casas que multiplicaram as ofertas. Já bastante conhecida por aqui graças aos seus vinhos do Porto, a empresa acaba de desembarcar dois lançamentos. O Urtiga 2019 (300 euros, ainda em precificação no Brasil) é um blend de mais de 63 castas, originárias de planta pré-filoxera, praga que quase devastou as plantações de vitis viníferas em 1860. Tem bom corpo e uma acidez espetacular. O segundo vinho é o Quinta de Ervamoira 2019 (R$ 1.540), nome do vinhedo de onde são colhidas Touriga Nacional e Touriga Franca, para o qual se faz uma pré-seleção dos cachos ainda no vinhedo, antes da colheita. “Vindimamos apenas a nata da nata”, disse à coluna AL VINO Jorge Rosas, CEO da Ramos Pinto. Ele é filho do criador do incensado Barca Velha e tem o objetivo de produzir outros rótulos que mereçam entrar para a história dos grandes vinhos portugueses. De fato, os produtos da nova safra da Ramos Pinto são rótulos prontos para competir com os grandes do mundo ou para aguentar bons anos nas adegas, de quem resistir a eles. O Urtiga 2019 e o Quinta de Ervamoira 2019 chegam ao Brasil pela Épice.

Outra empresa do Douro, o grupo Sogrape, que reúne várias vinícolas, lançou no ano passado em Portugal o Quinta de Azevedo Torre 2022 (R$ 660) e acaba de apresentá-lo no Brasil. Trata-se de um vinho branco da região dos vinhos verdes que é fruto de uma propriedade com valor histórico, onde há uma torre que data da época do descobrimento do Brasil. No caso do Quinta de Azevedo Torre 2022, outra novidade da Sogrape, as castas Alvarinho e Loureiro, típicas de vinhos verdes, ganham uma profundidade ímpar. O mesmo grupo trouxe das vinícolas do Alentejo o Herdade do Peso Revelado (branco e tinto R$ 396) e o Herdade do Peso Parcelas (R$ 1.875), um vinho encorpado, poderoso, mas ainda assim fresco e vivo, feito com 50% Alicante Boucet e 50% de Petit Verdot. Os rótulos da Sogrape são importados pela Zahil.
Quem vê a fartura de ofertas lusitanas não imagina que se trata de um fenômeno relativamente recente. “Até 2009 Angola era o principal mercado para onde Portugal enviava seus vinhos. Depois de uma recessão e da queda do consumo europeu foi preciso buscar novos horizontes”, explica Karene Vilela, presidente da Câmara de Comercio Brasil Portugal. O caminho deu tão certo que, hoje, Portugal fica atrás apenas de Chile e Argentina, respectivamente, sendo que os dois latino-americanos gozam de acordos comercias que os isentam de taxas de importação.
Tamanha a importância do mercado brasileiro para os portugueses que cresceu o investimento no Brasil da ViniPortugal, agência de promoção dos vinhos portugueses. Em 2025, ele será de 1,26 milhões de euros, um incremento de 28% em relação ao número de 2024. Para se ter uma ideia, esse valor é o segundo maior investimento da entidade no mundo, atrás apenas do aporte realizado nos Estados Unidos, refletindo a prioridade do mercado brasileiro. O “tarifaço” de Trump também tem contribuído para essas ações, já que o principal mercado de Portugal, e de todos os produtores europeus, são os Estados Unidos. “Os americanos têm grande potencial de compra de vinhos premium, por isso há tanto investimento neles, mas, no geral, Portugal é conhecido pelos mercados maduros por produtos com um bom custo-benefício”, diz Karene. Durante sua última temporada na Inglaterra, ela pode perceber que os ingleses não têm tanta empolgação com alguns vinhos que causam frisson aqui no Brasil, como o Barca Velha ou Pêra Manca, por exemplo.
Apesar do percentual de compradores de vinho de alta gama no Brasil ser pequena, o tamanho do país faz com que esse nicho de mercado não seja desprezado. “O consumidor brasileiro dá muito valor ao vinho português, até pela conexão cultural e afetiva que temos com a terrinha” afirma Karene. Isso explica o motivo dos últimos lançamentos mundiais de safras tanto do Pêra Manca (R$ 4.000), ícone do Alentejo, quanto do Barca Velha (R$ 11.000), ícone do Douro, terem sido feitos aqui no país. Inclusive, o Brasil representa 30% do mercado consumidor da Fundação Eugénio de Almeida Cartuxa, os produtores do Pêra Manca.
Considerando-se a multiplicação de novas ofertas, a conexão vinílica entre Brasil e Portugal vai ficar ainda maior — e mais saborosa.