Nas últimas semanas, todos os holofotes se voltaram para a guerra entre Israel e Irã, que se prometia longa após bombardeios israelenses ao território iraniano no dia 13 de junho, que devem entrar para a história por sua envergadura e danos causados. Não durou: depois de doze dias, uma trégua entre os dois países foi anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os olhos se viram, novamente, para Gaza – que o Exército israelense avisou que voltará a ser seu foco –, dominada por um Hamas enfraquecido que luta para sobreviver.
Após mais de vinte meses de conflito quase ininterrupto, os combatentes do grupo terrorista palestino estão atuando de forma descentralizada, com ordens para resistir o máximo possível, segundo fontes ouvidas pela agência de notícias Reuters. Além das divisões internas, o Hamas encara incertezas quanto ao futuro do apoio iraniano. Saeed Izadi, comandante da Guarda Revolucionária do Irã (IRGC) responsável pela coordenação com os palestinos, foi assassinado num ataque israelense na semana passada, o que pode abalar o fornecimento de recursos e treinamento militar para o grupo em Gaza.
Os habitantes do enclave também estão se tornando cada vez mais críticos em relação ao Hamas. Em março, centenas de palestinos se reuniram no norte do território para protestar contra o grupo e exigir o fim da guerra contra Israel, em uma rara demonstração pública de oposição aos radicais que governam Gaza desde 2007.
Quase 60 mil pessoas foram mortas pelas forças israelenses na Faixa de Gaza desde que Israel iniciou sua ofensiva militar, após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. Só nos doze dias em que o mundo se concentrou no conflito entre Israel e Irã, os ataques israelenses em Gaza mataram pelo menos 870 palestinos, de acordo dados do Ministério da Saúde de Gaza.
Cessar-fogo em Gaza
Analistas mais otimistas avaliam que o fim dos combates entre Israel e Irã pode impulsionar um avanço nas negociações sobre a paz em Gaza, que estão paralisadas.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou na quarta-feira que os ataques americanos às instalações nucleares do Irã, no último fim de semana, poderiam ajudar na retomada das conversas sobre uma trégua entre Israel e Hamas, e que ele estava “muito perto” de fechar um acordo sobre o conflito.
“Acredito que um grande progresso está sendo feito em Gaza. Por causa do ataque que fizemos, acho que teremos notícias muito boas”, afirmou o presidente americano durante uma cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Haia, na Holanda.
Uma trégua poderia beneficiar o Hamas, dando tempo para o grupo se reorganizar militarmente e reprimir rivais e saqueadores. Embora o ainda consiga realizar ataques — como o que matou sete soldados israelenses em Khan Younis, ao sul da Faixa de Gaza, na terça-feira —, as fontes ouvidas pela Reuters afirmam que o Hamas perdeu seu comando central. Estimativas de Israel indicam que mais de 20 mil combatentes foram mortos e centenas de quilômetros de túneis antes usados por eles, destruídos.
Um funcionário do gabinete político do Hamas, Taher al-Nunu, afirmou recentemente que há contatos em andamento com mediadores do Catar e Egito, e que o grupo está “firme sobre chegar a um acordo para acabar com a guerra de forma abrangente”.
“Parar a guerra é possível se houver vontade política da liderança israelense, especialmente do (premiê Benjamin) Netanyahu. Isso requer sua aprovação clara para acabar com a guerra, uma retirada total de Gaza, a liberação da ajuda humanitária e o fim do bloqueio (ao enclave), com um acordo sério de troca”, disse al-Nunu, referindo-se à libertação de reféns ainda em posse do Hamas. “Mostramos uma flexibilidade clara em muitas outras questões relacionadas ao futuro de Gaza e à duração da trégua, e confirmamos nossa prontidão para uma rodada decisiva de negociações.”
De um lado, Israel demanda que o grupo radical seja desmilitarizado e deixe o governo para encerrar o conflito em Gaza. Do outro, o Hamas rejeita entregar as armas devido à possibilidade das tropas israelenses, no futuro, voltarem a invadir e ocupar o território palestino. Os militantes também colocam como condição para a libertação de todos os reféns a retirada completa dos soldados de Netanyahu da Faixa de Gaza.
Crise humanitária
Enquanto isso, a situação humanitária em Gaza se deteriora rapidamente. A escassez de alimentos no enclave tornou-se aguda com um cerco rígido de Israel a todos os suprimentos ao longo de março e abril. A população local, composta por 2,3 milhões de pessoas antes da guerra, está em “risco crítico” de fome e enfrenta “níveis extremos de insegurança alimentar”, apontou um relatório em maio da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), apoiada por agências das Nações Unidas, grupos de ajuda e governos.
Desde que o bloqueio foi parcialmente levantado no mês passado, as Nações Unidas têm tentado enviar itens básicos para o enclave, mas com grandes obstáculos, incluindo estradas congestionadas, ataques aéreos contínuos e crescentes restrições por parte dos militares israelenses.
Nesta semana, as Nações Unidas condenaram Israel pelo “uso de alimentos como armas”, o que definiram como um “crime de guerra”. O alerta ocorreu em meio a incidentes recorrentes nos quais as forças israelenses abriram fogo perto de centros de distribuição de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), deixando centenas de mortos. O grupo privado é apoiado pelos Estados Unidos e Israel e substituiu operações das Nações Unidas no enclave, mas tem recebido cada vez mais críticas por sua ineficácia.
O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, por sua vez, defendeu na quinta-feira a “interrupção completa” das operações de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, alegando que o Hamas assumiu o controle dos bens e alimentos distribuídos.