A Coreia do Sul deu um passo histórico na proteção animal ao aprovar uma lei que proíbe, até 2027, a criação, o abate, a venda e o consumo de carne de cachorro. A medida, aprovada por unanimidade no Parlamento em janeiro do ano passado, representa um marco simbólico e cultural em um país que, por séculos, manteve essa tradição. Enquanto ativistas comemoram a conquista, surge um impasse: o que acontecerá com os cerca de meio milhão de cães criados atualmente em fazendas?
Com o fechamento do setor, muitos criadores relatam dificuldades para vender ou doar os animais. Os abrigos, já superlotados, não comportam o volume de cães, geralmente de raças grandes e consideradas agressivas. Há o risco de que milhares sejam abandonados ou até submetidos à eutanásia — um desfecho trágico e paradoxal, diante de uma lei criada justamente para proteger a vida animal.
O governo sul-coreano afirma que a eutanásia “certamente não faz parte dos planos”, mas reconhece os desafios práticos de realocar meio milhão de cães em apenas dois anos. Para aliviar a crise, prometeu apoio financeiro aos criadores e anunciou investimentos de 6 bilhões de wons por ano (cerca de R$ 24 milhões) para ampliar abrigos e auxiliar quem encerrar o negócio antecipadamente. Um porta-voz do Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais afirmou à rede britânica BBC que, caso os criadores entreguem seus cães, os governos locais assumirão a propriedade dos animais e os administrarão nos abrigos públicos.
Durante gerações, a criação de cães para consumo foi um meio de subsistência. Agora, muitos produtores consideram o prazo estabelecido pela lei impraticável, diante das dificuldades para realocar centenas de animais. A pressão aumenta com a previsão de penas de até dois anos de prisão para quem mantiver as instalações abertas após 2027.
Algumas organizações têm buscado soluções internacionais. Em 2023, cerca de 200 cães de uma fazenda na cidade de Asan foram resgatados por uma equipe da Humane World for Animals Korea (Hwak), e enviados para adoção no Canadá e nos Estados Unidos.
A carne de cachorro ainda é consumida em países como China, Indonésia, Nigéria e partes da Índia. No entanto, a lei reflete uma profunda mudança de percepção na sociedade sul-coreana. Uma pesquisa governamental realizada em 2024 mostrou que apenas 8% dos entrevistados haviam consumido carne de cachorro nos 12 meses anteriores, queda expressiva em relação aos 27% registrados em 2015. Cerca de 7% disseram que pretendem continuar comendo até fevereiro de 2027, e apenas 3,3% afirmaram que o fariam mesmo após a proibição.