Projetado pelo arquiteto americano Frank Lloyd Wright (1867-1959), o Museu Guggenheim de Nova York é uma joia moderna de peso equivalente a outros monumentos da história da civilização, como o Coliseu romano, a Torre Eiffel e, pelas bandas de cá, o Masp de São Paulo — são edifícios que viraram símbolos das cidades que os abrigam. Do lado de fora, o Guggenheim se assemelha a um bolo de festa em camadas. Do lado de dentro, é de tirar o fôlego a escada em espiral, como se o concreto tivesse o peso da pluma. Dadas a beleza e a surpresa do desenho, aquele interior apareceu em dezenas de filmes que pretendiam ideia de suspense, de movimento, de delicado equilíbrio. Lembre-se da mítica cena da perseguição de Will Smith em busca de um larápio em MIB — Homens de Preto, clássico moderno de 1997.

Não por acaso, as rampas circulares da instituição nova-iorquina, entre um Kandinsky e um Matisse, foram palco do desfile da coleção de primavera e inverno de 2025 da grife Alaïa, comandada pelo estilista Pieter Mulier. A inspiração: La Robe Spirale, uma peça desfilada uma estação antes, feita de lã merino impressa em 3D, misto de delicadeza estética com prodígio tecnológico — e que, de modo quase evidente, remetia ao traçado do prédio. A atriz Zendaya, que sabe das coisas, usou a peça na estreia de Duna: Parte 2, em Paris, para deixar meio mundo de boca aberta. Os mesmos cortes espirais dominaram coleções recentes, como as da grife de Victoria Beckham, Proenza Schouler e Thierry Mugler. Nas telas do cinema e nas passarelas dos festivais brotaram no vestido bolha de Ariana Grande em Wicked e nos corpos de Jenna Ortega e Juliana Paes em Cannes. A modelo Alessandra Ambrosio também despontou rodopiando em tecido. Todos bebem, convém lembrar, do big bang original, o modelo bodycon de Azzedine Alaïa (1935-2017), imaginado para abraçar e traçar as curvas naturais de quem o ostenta como uma luva. Para Alaïa, as espirais eram mais que apenas formas: eram a arquitetura mais íntima da moda.

Não se trata, é claro, de imaginar que o estilo vá sair por aí, pelas ruas. São peças de algum exagero, como esculturas de pano. Exibi-las é sinônimo de barulho. Virou tendência, mas não para se espalhar democraticamente nos armários. É um manifesto, a moda a traduzir os humores de nosso tempo. Os cortes circulares são quase uma metáfora da sociedade. O design tem um quê de filosófico, de ideias a serem compartilhadas. Devem ser compreendidos como obras de arte com algo a dizer. São celebrados por simbolizar sentimentos como a ansiedade e a tensão contida — a espiral armada que a qualquer momento pode ceder. Há quem enxergue conexão com a natureza, as conchas, as galáxias. Exagero? Não. Todo ato criativo, gostemos ou não, brota de reflexões. “A moda é feita desse vaivém, e essas silhuetas representam bem essa onda”, diz o estilista Reinaldo Lourenço.

O estilista Nicolas Di Felice, da Courrèges, dá a deixa. “Vivemos um tempo de retornos — não só na moda — e, por isso, decidi trabalhar com ciclos e repetições.” É raciocínio interessante, e ainda que seja difícil aceitá-lo, por fluido em demasia, serve de moldura para a beleza que se vê, e que pede uma costura. A onda espiral é quase hipnótica, vai de espanto a espanto. Faz lembrar o texto de Chico Buarque para a contracapa do LP Louvação, lançado por Gilberto Gil em 1967: “Sua música se desenrola tal qual uma serpentina que, antes de terminar seu passeio, dá um giro a mais, só para nos surpreender”.
Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949