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O sofrimento mental das mães tem impacto na saúde dos filhos

Um estudo com mais de 82 mil mães e bebês, publicado recentemente pelo Journal of the American Medical Association (JAMA), mostrou que o momento em que a mulher enfrenta sofrimento psicológico, como ansiedade, estresse ou depressão, tem influência direta no desenvolvimento infantil. Os pesquisadores descobriram que o sofrimento vivido um ano após o parto está mais fortemente associado ao atraso no desenvolvimento neurológico do que quando ocorre apenas durante a gravidez.

A depressão pós-parto é uma condição que afeta uma em cada quatro mulheres, mas muitas vezes é subestimada. Ela pode ter diferentes origens, como mudanças hormonais, sobrecarga física e emocional nos primeiros meses de vida do bebê, falta de sono, culpa, isolamento social, dificuldade de conciliar maternidade e trabalho ou ainda ausência de rede de apoio. Situações como parto difícil, complicações médicas ou condições econômicas precárias também aumentam o risco.

A ideia de “economia do cuidado”, ao impor uma sobrecarga desproporcional às mulheres, funciona como um fator psicossocial central para o sofrimento psicológico materno. A expectativa social de que elas assumam sozinhas a maior parte das responsabilidades domésticas e parentais resulta na chamada “dupla jornada de trabalho” – atividades remuneradas e não remuneradas – que leva à exaustão física e mental. A sobrecarga crônica e a falta de tempo para autocuidado ou lazer podem evoluir para quadros mais sérios.

Entre os principais sintomas estão tristeza persistente, crises de choro, falta de energia, ansiedade excessiva, irritabilidade, sensação de culpa ou incapacidade, insônia, dificuldade de concentração e até redução no vínculo afetivo com o bebê. Muitas mulheres relatam sentir-se sobrecarregadas e sem prazer nas atividades cotidianas, sinais que, se persistirem, devem ser avaliados por um profissional de saúde.

O estigma relacionado às doenças mentais contribui para o silêncio, fazendo com que muitas hesitem em procurar apoio psicológico ou psiquiátrico quando necessário.

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A dificuldade em reconhecer e falar sobre o sofrimento emocional no puerpério decorre principalmente da pressão social pela “mãe perfeita” e da idealização da maternidade. Esse tabu faz com que muitas sintam vergonha ou culpa por não estarem felizes o tempo todo.

Ainda há uma forte expectativa cultural de que a maternidade deve ser um período de felicidade e plenitude absolutas. Sentir tristeza ou angústia contraria essa narrativa idealizada, levando-as a acreditar que falharam em um papel socialmente esperado.

O estudo mostra que o sofrimento psicológico materno pode afetar o desenvolvimento infantil por diferentes caminhos. Além de influenciar a interação entre mãe e bebê e a qualidade dos estímulos oferecidos, o estresse pode provocar alterações hormonais, como o aumento do cortisol, que impacta o desenvolvimento cerebral da criança.

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Por outro lado, crianças que nascem com baixo peso, prematuras ou que apresentam dificuldades no desenvolvimento também podem intensificar o estresse e a ansiedade materna, criando uma relação de influência mútua.

O atraso no desenvolvimento infantil pode se manifestar de formas variadas. Em geral, os sinais aparecem entre 1 e 3 anos de idade e incluem demora para andar ou falar, dificuldade para segurar objetos, falta de interesse em brincar ou interagir com outras pessoas, atraso na compreensão de comandos simples e menor iniciativa para explorar o ambiente. Esses marcos do desenvolvimento são fundamentais para a formação da linguagem, da cognição e das habilidades sociais.

A pesquisa, conduzida no âmbito do Estudo Japonês sobre Ambiente e Crianças (JECS), acompanhou 82.418 pares mãe-filho desde o início da gravidez até os três primeiros anos de vida da criança. As mães responderam a questionários sobre saúde mental, enquanto o desenvolvimento infantil foi avaliado periodicamente em cinco áreas: comunicação, coordenação motora ampla e fina, resolução de problemas e habilidades sociais. O estudo concluiu que mães que apresentaram sofrimento psicológico um ano após o parto tinham 25% mais chance de ter filhos com algum tipo de atraso do que aquelas sem sintomas.

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Os resultados reforçam que a saúde mental materna é determinante para o desenvolvimento saudável das crianças e precisa ser cuidada desde a gestação até o período pós-parto. Procurar apoio psicológico, contar com a ajuda de familiares e amigos, manter uma boa rotina de sono, alimentação e lazer e buscar acompanhamento médico são medidas essenciais para proteger tanto a mãe quanto o bebê.

No Brasil, as taxas de depressão pós-parto variam de 19% a 39%, dependendo da região, revelando desigualdades culturais e socioeconômicas. Os dados fazem parte do estudo Diversidade transcultural e social da prevalência de depressão pós-parto e sintomas depressivos, de Uriel Halbreich, da Universidade de Buffalo (EUA).

Familiares, companheiros e amigos podem oferecer apoio essencial por meio da escuta empática, de ajuda prática com tarefas diárias e do incentivo à busca por ajuda profissional. Essas ações reduzem a sobrecarga e fortalecem a saúde mental da mulher.

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Validar os sentimentos e demonstrar compreensão é fundamental. Frases como “Sinto muito que você esteja passando por isso” ou “Estou aqui para você” podem ser profundamente reconfortantes.

Referência em tratamento humanizado na zona norte do Rio de Janeiro, o Hospital Pasteur, no Méier, promove mensalmente um curso gratuito para gestantes. A iniciativa atende não apenas mulheres que terão seus bebês na unidade, mas também a comunidade do entorno. Além de orientações sobre cuidados básicos na chegada do bebê, o grupo aborda a saúde mental das novas mães e destaca como elas podem encontrar apoio em meio às incertezas do puerpério, incluindo a depressão pós-parto. O cuidado está no acolhimento e na valorização de tudo o que cada gestante e puérpera sente.

*Andréia Belo é psicóloga materno infantil no Hospital Pasteur -RJ

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