Não bastassem todos os fatores de risco cardiovasculares convencionais – hipertensão, colesterol elevado, tabagismo, diabetes, obesidade e sedentarismo etc. -, temos que estar atentos à exposição às altas temperaturas. Estudos comprovam uma relação estreita entre o aquecimento extremo e a maior mortalidade por causas cardíacas, principalmente em quem apresenta alguma comorbidade, como insuficiência cardíaca. Idosos e gestantes também estão mais vulneráveis ao estresse motivado pelo calor.
A explicação é multifatorial: termômetros em alta tendem a provocar desidratação, que pode causar diminuição do volume de plasma no sangue, deixando-o mais espesso, ampliando a tendência de formação de coágulos. Isso eleva a propensão de eventos trombóticos como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC). Além disso, na tentativa de resfriar o corpo, o coração bate mais acelerado, exacerbando seu esforço.
A elevação da temperatura corporal ativa o hipotálamo, centro regulador da temperatura localizado no cérebro, que, por sua vez, aciona os mecanismos para resfriamento do corpo – vasodilatação e transpiração. Estes mecanismos podem levar a queda da pressão arterial e com isso, entra em ação o sistema nervoso simpático para manter o fluxo sanguíneo aos órgãos vitais.
Esse processo aumenta a frequência cardíaca, levando a um descompasso entre oferta e demanda de oxigênio para o coração, potencializando a incidência de isquemia em pacientes com doenças pré existentes. Paralelamente o estresse hemodinâmico e as alterações na viscosidade do sangue podem promover ruptura de placas ateroscleróticas e formação de coágulos.
Em pacientes com insuficiência cardíaca, a resposta do sistema vascular à dilatação cutânea e sudorese para controle térmico pode já estar comprometida, adicionando risco extra em tempos mais quentes. Por último, as alterações nos eletrólitos do sangue podem contribuir para a ocorrência de arritmias graves.
Em meio aos trabalhos que relacionam temperaturas elevadas e mortes por doenças cardíacas, uma revisão com base em centenas de estudos indica que, a cada 1°C a mais, a taxa de mortalidade por razões cardiovasculares cresce 2,1%. Durante ondas de calor que duram vários dias sem trégua, o índice chega a 12%. Relatório da Federação Mundial do Coração (WHF) afirma que de 2 a 3% das mortes por ataque cardíaco são atribuídas às altas temperaturas combinadas com a poluição do ar.
Outra evidência é a relação entre dias quentes e maior movimento nas emergências dos hospitais por ataques cardíacos e doenças relacionadas. Nos sete primeiros meses de 2023, quando a média de temperaturas foi mais alta do que no ano anterior, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo registrou acréscimo de 102,5% nos atendimentos ambulatoriais e internações por diagnósticos relativos ao calor na comparação com 2022.
Um artigo publicado no jornal do Colégio Americano de Cardiologia (ACC) apresenta uma pesquisa que analisou 2,4 milhões de mortes por patologias cardíacas na China de 2013 a 2019. O trabalho revelou que quando os termômetros diurno e noturno permanecem elevados continuamente a probabilidade de morte por causas cardiovasculares quase dobra. Já quando o calor intenso ocorre somente durante o dia ou durante a noite o risco sobe de 16% a 19%.
Como se prevenir em meio ao calor
O aumento global das temperaturas e a maior incidência de ondas de calor revelam a importância de medidas de prevenção e adaptação para que o impacto dessa condição climática não estresse o sistema cardiovascular dos grupos mais suscetíveis.
Algumas dicas incluem manter hidratação adequada, deixando de lado bebidas alcoólicas e cafeinadas, que favorecem a desidratação. Evitar a exposição ao sol nos horários de pico (das 10h às 16h), manter os ambientes arejados, ventilados ou climatizados. Recomenda-se, inclusive, o uso de roupas leves e claras, com tecidos naturais que não retenham calor.
A alimentação é uma preocupação nos dias quentes: é importante optar por refeições leves, restringindo alimentos muito salgados, calóricos, gordurosos ou de difícil digestão. Manter a rotina de exercícios físicos, optando pela atividade em horários mais frescos, como antes das 10h ou após às 16h, é outra recomendação oportuna. Também é essencial nunca deixar crianças pequenas, idosos ou animais de estimação fechados nos carros nestes dias de calor.
Vale ressaltar que consultas periódicas ao cardiologista também ajudam na prevenção e controle das doenças cardiovasculares. Manter os fatores de risco, pressão arterial, diabetes e dislipidemia, por exemplo, dentro dos parâmetros é indispensável e, quando for observada alguma irregularidade, buscar ajuda médica imediatamente.
Os dias mais ensolarados e alegres vêm aí: vamos aproveitá-los com saúde e segurança.
* Marcelo Franken é diretor da SOCESP – Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e gerente de Cardiologia do Einstein Hospital Israelita, em São Paulo