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‘Viagra feminino’: a pílula que promete resgatar o desejo sexual das mulheres

Em 1998, o lançamento de um comprimido azul deu início a uma autêntica revolução sexual e social. Destinado ao tratamento da disfunção erétil, o Viagra recuperou relacionamentos, insuflou a autoestima masculina e tirou da aposentadoria homens que sofriam com a impotência. Desde então, ainda que com menos investimento e fervor que o projeto original, cientistas e empreendedores buscam uma medicação capaz de salvar a libido das mulheres. Não é tarefa singela, dada a complexidade do desejo sexual feminino. Depois de anos de pesquisas, um candidato despontou. Um remédio originalmente desenvolvido como antidepressivo que parecia ter vocação para melhorar a vida sexual da mulher. Mas o caminho da flibanserina até o mercado não seria fácil. Rejeitada inicialmente pela agência regulatória americana (FDA) por seus efeitos modestos e reações adversas, a droga venceria obstáculos e seria liberada, pela primeira vez, em 2015, mas para um público restrito. Dez anos depois, acaba de receber aval para um dos grupos que mais padecem da baixa libido, as mulheres na pós-menopausa. Será que a pílula rosa agora deslancha de vez?

A nova chancela da FDA permite que o comprimido de nome comercial Addyi, fabricado pela Sprout Pharmaceuticals, seja indicado tanto a mulheres mais novas como àquelas acima de 65 anos — ou seja, tanto na fase que antecede como na que se estende além da menopausa. Seu objetivo é tratar uma condição descrita nos anos 1990 como transtorno do desejo sexual hipoativo, em que a libido fica lá embaixo de forma persistente e, em geral, há um sofrimento emocional relacionado a isso. O grande problema é que desejo não é algo simples de medir muito menos de controlar. Há inúmeras variáveis em jogo (psicológicas, físicas, culturais…), o que torna o diagnóstico formal um quebra-cabeça. Com a menopausa e as mudanças hormonais, então, mais um fator pesa nessa história. Por tudo isso, os especialistas precisam levar em conta uma série de aspectos antes de partir para um medicamento. Pode ser algo hormonal, mas também uma depressão ou mesmo um conflito no casamento.

CAMINHO TORTUOSO - Décadas em estudo: remédio precisou vencer resistência das agências regulatórias
CAMINHO TORTUOSO – Décadas em estudo: remédio precisou vencer resistência das agências regulatórias./Divulgação

Quando chegou ao mercado, há dez anos, o Addyi foi saudado como o “Viagra feminino”. Houve quem projetasse uma trajetória de sucesso e ovacionasse o que seria uma tentativa de promoção de equidade de gênero — ora, só os homens podiam ter à mão um comprimido para lhes dar força sexual? Discussões à parte, a rota até debutar no mercado foi tortuosa. A flibanserina apresentou efeitos colaterais como tontura e náusea e ainda carrega um alerta em destaque na bula — o tipo mais grave exigido pela FDA. O aviso chama a atenção para o risco de quedas perigosas da pressão arterial e desmaios quando o uso é associado ao consumo de bebidas alcoólicas. Não por acaso, as vendas do fármaco — que atua em substâncias químicas cerebrais ligadas ao humor e ao apetite — sempre foram modestas.

A entrada no segmento de mulheres na menopausa, no entanto, dá novo fôlego à pílula rosa. E representa uma vitória para a americana Cindy Eckert, a CEO da Sprout Pharmaceuticals, que encabeçou a batalha para promover a medicação em meio a um clima de machismo e resistência do establishment, na visão dos defensores da droga. A ampliação da indicação do Addyi é, nas palavras da executiva, o resultado de “uma década de trabalho persistente” junto à FDA. Também seria um meio de atender a um direito das mulheres, cuja expectativa de vida sexual aumentou na esteira da longevidade.

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A DONA DA BANCA - Cindy Eckert, a CEO do laboratório da pílula rosa: ela apostou tudo no fármaco
A DONA DA BANCA – Cindy Eckert, a CEO do laboratório da pílula rosa: ela apostou tudo no fármacoJC Olivera/SHE Media/Getty Images

Ainda que seja o primeiro medicamento da história para tratar o transtorno do desejo sexual hipoativo, a flibanserina não é isenta de controvérsias e senões. Os estudos apontam que, na dosagem de 100 mg, o comprimido melhora a satisfação sexual e o sofrimento relacionado à falta de libido tanto antes como depois da menopausa. “O problema é que os benefícios clínicos ainda são considerados modestos, especialmente quando colocamos na balança os efeitos adversos e o fato de que a resposta varia muito de mulher para mulher”, afirma a ginecologista Lúcia Alves, vice-­presi­den­te da Comissão Nacional de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Os experts também ponderam sobre a comparação com o Viagra. A flibanserina age diretamente no cérebro, modulando neurotransmissores, enquanto o comprimido azul atua na circulação do pênis. “A flibanserina interfere no desejo sexual, não na excitação mecânica”, diz Alves. De novo: são diversos fatores a influenciar em que circunstâncias e com quem as mulheres terão tesão. Alves observa que, embora as pesquisas com a droga na pós-menopausa demonstrem ganhos estatísticos na satisfação sexual, muitos ingredientes-chave são preteridos. “Autoimagem corporal, qualidade da relação, entrega emocional… Tudo isso mexe diretamente com a libido e nem sempre é capturado nesses estudos.”

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O fato é que a medicação materializa um sonho e um (longo) ponto de partida na busca de remédios capazes de elevar o desejo e a qualidade de vida da mulher. Por ora, não há previsão de sua liberação ou comercialização no Brasil — queixas de baixa libido na pós-menopausa podem ser manejadas hoje com reposição hormonal e uso controlado de testosterona. Mas demanda existe. Quem sabe a pílula rosa não estará aquecendo a rotina de brasileiras nos próximos meses.

Publicado em VEJA de 24 de dezembro de 2025, edição nº 2976

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