Um levantamento divulgado pela organização sem fins lucrativos Freedom of the Press Foundation aponta que o número de episódios de violência contra jornalistas nos Estados Unidos em 2025 está próximo do total acumulado dos três anos anteriores. As informações foram divulgadas no dia 15 de dezembro e apontam 170 agressões contra profissionais de imprensa até esta data. Para efeito de comparação, entre 2022 e 2024, foram registradas 175 agressões.
O aumento se deve, em grande parte, ao cenário de agitação civil vivenciado pelos EUA, com milhões de pessoas protestando contra ações do governo de Donald Trump, muitas vezes vistas como autoritárias. Uma vez que são responsáveis por realizar a cobertura dos eventos, os profissionais de imprensa acabam expostos a possíveis ataques — notadamente por parte das forças de segurança, com registros de disparos e agressões com cassetetes promovidas por agentes contra jornalistas.
Pesquisadores de jornalismo e defensores da liberdade de imprensa também apontam que a alta é influenciada diretamente pela retórica antimídia de Trump, com o presidente alimentando a hostilidade contra a categoria.
Segundo o professor da Universidade de Syracuse, Lars Willnat, os jornalistas são especialmente afetados pelo fenômeno da polarização política, uma vez que nesse cenário, “a violência se torna mais fácil de justificar”, já que os profissionais do jornalismo deixam de ser vistos como “observadores neutros” e passam a ser vistos como “combatentes políticos”.
“Quando o presidente modela o ridículo e a deslegitimação, isso sinaliza aos apoiadores que jornalistas são alvos justos”, afirma Willnat, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
Responsável por redigir o relatório de 2025, a repórter sênior Stephanie Sugars afirma que é difícil determinar uma “linha direta de causalidade” entre a retórica trumpista e o aumento dos ataques, uma vez que o presidente “não tem controle pessoal sobre todos os departamentos de polícia”. No entanto, ela aponta que os constantes ataques promovidos por sua administração, que chama jornalistas de “inimigos do povo”, podem ser “vistos como uma tolerância a outras agressões”.
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Violência em manifestações
O rastreador de violência da Freedom of the Press Foundation foi lançado em 2017, influenciado fortemente por agressões e prisões sofridas por jornalistas durante os protestos em Ferguson, Missouri, três anos antes. Segundo Sugars, desde então tem-se constatado rotineiramente que “protestos são o lugar mais perigoso para jornalistas nos EUA”.
Neste ano, muitas das manifestações americanas giram em torno da imigração, já que uma das bandeiras de Trump em seu segundo mandato é promover a deportação de imigrantes em situação de irregularidade. Foi durante uma dessas manifestações, realizada em Compton, Califórnia, que o fotógrafo Nick Stern sofreu ferimentos graves após uma ação policial.
O episódio aconteceu em julho, durante um protesto contra as ações da ICE, a temida polícia de imigração americana. Na ocasião, um policial disparou um dispositivo explosivo que atingiu as proximidades de Stern, atingindo-o. O fotógrafo estava identificado como profissional de imprensa, utilizando uma câmera e a 12 metros de uma barricada, mas ainda assim deixou o local gravemente ferido, com uma carcaça dentro de sua coxa, tendo que se submeter a uma cirurgia de emergência.
Ele passou meses afastado do trabalho, com dificuldades para andar. Ao retornar para cobrir um novo protesto anti-ICE, dessa vez em frente a um centro de detenção em Los Angeles, ele foi novamente ferido. Desta vez, um policial o atingiu no rosto com um cassetete, mesmo que, segundo seu relato, o fotógrafo houvesse mostrado sua credencial de imprensa.
Stern entrou com um processo criminal contra o departamento de polícia (LAPD, na sigla em inglês) e o departamento do xerife do condado de Los Angeles pela primeira agressão, e tem planos para também judicializar o segundo episódio. Procurado pelo Guardian, o LAPD disse estar investigando “alegações de uso excessivo de força”, enquanto um porta-voz do departamento do xerife compartilhou um comunicado afirmando ainda estar revisando as imagens do incidente.
Outro profissional atingido durante protestos anti-ICE foi o jornalista Raven Geary, de Chicago. Ele cobria um protesto em frente à prisão de detenção de Broadview em setembro, quando um agente de imigração disparou um projétil de pimenta que o acertou no rosto. Segundo Geary, os envolvidos “definitivamente sabiam que estavam atirando em jornalistas”, uma vez que ele utilizava um crachá de imprensa e muitos dos presentes estavam em atuação há semanas.
Diversas organizações jornalísticas, manifestantes e profissionais da área — incluindo o próprio Geary — entraram com uma ação coletiva contra o ICE, o Departamento de Segurança Interna e outras autoridades. Eles alegam que os agentes violaram os direitos da Primeira Emenda, que permite protestos pacíficos e livre coleta de notícias, e da Quarta Emenda, que impede uso excessivo da força.