Em Três Graças, o público acaba torcendo pelos ladrões da estátua da casa da magera Arminda (Grazi Massafera). Isso porque a narrativa constrói um jogo moral cuidadosamente desequilibrado, em que o crime parece mais justo do que a ordem estabelecida. A novela acerta ao fazer o público torcer pelos ladrões, porque transforma o furto em gesto simbólico de justiça social, desloca o peso do crime para a crítica ao sistema e constrói personagens emocionalmente próximos — um recurso clássico, eficaz e muito brasileiro da dramaturgia televisiva. Afinal, é a “justiça com as próprias mãos”, de uma comunidade que recebe remédios falsos o tempo todo. E ladrão que rouba ladrão, haja perdão. A seguir, cinco caminhos centrais de como essa tônica é construída por Aguinaldo Silva:
- Os ladrões são humanizados – Eles não são retratados como criminosos profissionais ou violentos, mas como personagens comuns, com carências afetivas, dificuldades financeiras e senso de humor. O espectador entende por que eles roubam antes de julgar o que eles roubam. No centro desse grupo está a mocinha Gerluce, papel de Sophie Charlotte.
- O alvo do crime não desperta empatia – A estátua simboliza poder, elite, vaidade institucional e interesses econômicos distantes da vida real do povo (na verdade, esconde dinheiro ilícito). Ao deslocar o prejuízo para algo abstrato ou elitizado, a novela reduz o peso moral do furto.
- Inversão ética clássica da teledramaturgia – A trama sugere que os verdadeiros “vilões” estão no sistema (empresário na figura de Santiago Ferrete, vivido por Murilo Benício), enquanto os ladrões aparecem como vítimas de desigualdade, exclusão ou injustiça histórica. O crime vira uma forma de reparação simbólica.
- Tom de farsa e aventura – O roubo é encenado com ritmo leve, tensão calculada e até humor, aproximando o espectador do gênero do “golpe esperto”, em que torcer pelos fora da lei é quase um pacto narrativo. Ou alguém acredita que Joaquim Monteiro (Marcos Palmeira) seria um ladrão de verdade?
- Identificação social e emocional – A novela aposta na ideia de que “o público se reconhece mais em quem perde do que em quem já tem”. Assim, o espectador projeta suas frustrações nos ladrões e vive o roubo como uma pequena vitória contra estruturas opressoras.