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O que se sabe sobre a relação entre tatuagens e o câncer de pele

Estamos em meio ao Dezembro Laranja, campanha anual voltada à conscientização sobre a saúde da pele, especialmente em relação à prevenção do câncer cutâneo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o país deve registrar mais de 700 mil novos casos de câncer de pele no triênio de 2023 a 2025. O melanoma, embora menos frequente, segue como um desafio relevante devido ao seu potencial agressivo e de maior letalidade.

Paralelamente, mudanças nos comportamentos e nas expressões culturais da população também chamam a atenção. A tatuagem tem se tornado cada vez mais comum, e pesquisas indicam que cerca de 30% dos brasileiros possuem ao menos uma tatuagem, colocando o país na nona posição no ranking mundial – Itália (48%), Suécia (47%) e Estados Unidos (46%) lideram a lista.

Essa popularização levanta questionamentos sobre possíveis impactos da tatuagem na saúde da pele, especialmente no que diz respeito à detecção de lesões pigmentadas, como o melanoma.

A Suécia, com quase metade de sua população tatuada, tornou-se cenário de um estudo recente que investigou uma possível associação entre tatuagens e risco de melanoma. Conduzido por pesquisadores da Universidade de Lund, em parceria com o Registro Nacional de Câncer da Suécia, o trabalho analisou 2.880 casos. Entre os indivíduos com melanoma, cerca de 22% tinham tatuagens, frente a aproximadamente 20% no grupo controle.

A partir dessa diferença, os autores estimaram um risco relativo de 29%. O estudo também observou um risco ligeiramente maior em tatuagens coloridas, ressalvando que esse achado ainda precisa de confirmação.

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É fundamental, porém, compreender o que está sendo medido. Trata-se de um estudo de associação, e não de causalidade. Diferenças estatísticas entre grupos não significam, por si só, que a tatuagem seja responsável pelo risco observado.

Para avaliar se uma associação pode ser considerada causal, utilizam-se os Critérios Epidemiológicos de Bradford Hill. Esses critérios não são regras rígidas, mas referências que ajudam a interpretar resultados, considerando aspectos como força e consistência da associação, temporalidade, relação dose-resposta, plausibilidade biológica e coerência com o conhecimento científico existente. A temporalidade é indispensável, enquanto os demais critérios reforçam — mas não determinam isoladamente — a causalidade.

Na análise metodológica do estudo, um ponto relevante é a inclusão de nevos com atipia grave entre os casos classificados como melanoma. Essas lesões apresentam alterações importantes ao microscópio e podem se assemelhar ao melanoma in situ, mas não preenchem critérios diagnósticos para melanoma. Embora muitos dermatologistas adotem condutas semelhantes por cautela, essas pintas não são definidas como melanoma, e essa classificação pode influenciar os resultados.

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Além disso, excluindo-se os nevos com atipia grave, apenas um subtipo de melanoma (o melanoma extensivo superficial) foi analisado, o que limita a extrapolação dos achados para outros tipos da doença. Outro aspecto importante é o desenho retrospectivo do estudo, baseado em questionários³. Esse tipo de abordagem apresenta limitações, como maior risco de vieses e dependência da memória dos participantes. A taxa de não resposta do estudo, em torno de 50%, pode distorcer os resultados, assim como a dificuldade de recordar detalhes sobre número de sessões de tatuagem, cores e tipos de tinta utilizados.

Embora variáveis como exposição solar e tabagismo tenham sido consideradas, queimaduras solares na infância — um fator clássico de risco para melanoma — não foram incluídas na análise principal³. Os autores relatam que, ao incorporar essa variável posteriormente, o risco observado aumentou.

No campo da plausibilidade biológica, uma hipótese levantada é a de que substâncias potencialmente carcinogênicas presentes nas tintas poderiam contribuir para o desenvolvimento do melanoma, possivelmente liberadas após a degradação dos pigmentos pela radiação solar. No entanto, o estudo não apresenta dados objetivos sobre a composição das tintas ou a quantidade utilizada, nem encontrou associação direta entre tatuagens e radiação ultravioleta.

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A coincidência entre o local da tatuagem e o local do tumor foi baixa, observada em cerca de 30% dos casos, o que dificulta a defesa de um efeito local direto. Além disso, não foi identificada relação dose-resposta: tatuagens maiores, mais sessões ou maior tempo desde a tatuagem não se associaram a aumento proporcional do risco.

Mesmo o aumento de risco citado — cerca de 29% — deve ser interpretado com cautela, por se tratar de uma diferença modesta e próxima do limite estatístico. Esse risco é significativamente menor do que aquele associado à exposição elevada à radiação ultravioleta, frequentemente descrito como até cinco vezes maior.

Diante disso, o estudo deve ser entendido como um ponto de partida, e não como uma conclusão definitiva. Ele levanta uma questão relevante, mas não sustenta mudanças na prática clínica ou recomendações populacionais neste momento.

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Medidas atestadas

Por outro lado, há consensos bem estabelecidos que justificam o Dezembro Laranja. A radiação ultravioleta é o principal fator de risco para o câncer de pele, incluindo o melanoma. Medidas como uso de protetor solar, roupas de proteção, evitar queimaduras, buscar sombra e manter acompanhamento dermatológico regular continuam sendo as estratégias mais eficazes de prevenção.

Para pessoas com muitas pintas, pele clara ou histórico pessoal ou familiar de melanoma, o mapeamento fotográfico corporal com dermatoscopia digital auxilia na detecção precoce. Em pessoas tatuadas, recomenda-se atenção redobrada à proteção solar e à observação de alterações na pele e nas próprias tatuagens.

As tatuagens fazem parte da expressão pessoal de muitos cidadãos. Mas, quando o assunto é saúde, informação e acompanhamento seguem sendo aliados fundamentais. Este estudo contribui para ampliar o debate sobre como as tintas interagem com o organismo ao longo do tempo e reforça a importância do cuidado contínuo com a saúde da pele, tatuada ou não.

* Paula Yume é médica dermatologista do Alta Diagnósticos, da Dasa, e especialista em cirurgia micrográfica de Mohs 

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