Depois de 26 anos de idas, vindas e versões reescritas, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia voltou ao centro da agenda diplomática brasileira — desta vez com data, local e uma dose conhecida de ceticismo. O governo trabalha com a expectativa de assinatura durante a Cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu, mas reconhece que o risco agora não é técnico, e sim político.
“O presidente Lula tem razão ao tentar fechar isso ainda em 2025, porque em 2026 tudo vira eleição”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Mas é preciso lembrar que o Brasil esperou 26 anos. Não será agora, em uma semana, que tudo se resolve.” Segundo ele, o calendário joga contra: quanto mais o debate avança para o fim do ano, mais a pauta comercial dá lugar ao cálculo eleitoral nos países europeus.
O peso econômico do acordo é inegável. A União Europeia é hoje o principal parceiro comercial do Brasil quando se olha para blocos econômicos, respondendo por quase 30% da pauta de exportações brasileiras. “O Brasil já está presente nesse mercado. O que o governo tenta é ampliar essa relação”, diz Agostini. Lula, por sua vez, reforça o argumento político: o tratado envolve um PIB combinado de cerca de 22 trilhões de dólares e uma população superior a 700 milhões de pessoas.
O maior obstáculo segue no mesmo endereço de sempre: Paris — com apoio discreto, mas relevante, de Roma. O presidente francês Emmanuel Macron e a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni enfrentam forte pressão de agricultores locais, que veem nos produtos do Mercosul uma ameaça direta. “É óbvio que produtores rurais franceses temem perder competitividade”, diz Agostini. “Os produtos brasileiros são mais eficientes, mais produtivos e mais baratos.” Para ele, a conta é clara: “A perda para a União Europeia como um todo é maior do que o ganho político de proteger esses produtores.”
Thiago Holtz, da A7 Capital, reforça que a resistência nunca foi exatamente um segredo. “A França sempre foi explícita na oposição, usando argumentos sanitários e ambientais. A Itália também nunca foi entusiasta”, afirma. Segundo ele, houve avanços técnicos — como a redução de limites de importação de 10% para 5% em alguns setores —, mas insuficientes para dissipar o temor político. “O Mercosul está pronto para assinar. A União Europeia ainda tenta acomodar exigências de França e Itália.”
O problema, alerta Holtz, é o relógio. “À medida que o ano avança, o acordo deixa de ser uma pauta de 2025 e passa a ser uma pauta de 2026. E aí o risco é simplesmente sair da mesa.” A declaração recente de Giorgia Meloni, classificando como “prematuro” assinar o tratado agora, reforça essa leitura: o freio não é econômico, é eleitoral. Meloni é da extrema direita na Itália que tem forte ligação com o setor agrícola. O Francês Macron tenta ficar ‘bem na foto’ com os produtores que são assumidamente inclinados a apoiar a oposição no país.
No fim das contas, o acordo Mercosul–União Europeia parece repetir seu roteiro clássico: tecnicamente maduro, economicamente relevante e politicamente travado. Depois de mais de duas décadas de negociação, o desafio não é harmonizar tarifas ou cláusulas sanitárias — é convencer governos europeus de que abrir mercados não rende menos votos do que fechá-los.